Economia

Banco de Portugal recorre da anulação do tribunal à condenação a Tomás Correia e Banco Montepio

O Tribunal da Concorrência anulou coimas de 4,8 milhões de euros aplicada pelo Banco de Portugal ao Montepio por violação do direito de defesa. Regulador vai recorrer. Caso não é inédito, já tinha acontecido com Salgado, e o supervisor da banca acabou por ser bem-sucedido no recurso

NUNO FOX

Esta segunda feira, 9 de setembro, começou o julgamento de Tomás Correia, sete ex-administradores da sua equipa e do Banco Montepio das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal que ascendem a 4,8 milhões de euros, e cuja condenação teve mão pesada para Tomás Correia face aos factos ilicitos entre 2009 e 2014 à frente do Banco Montepio.

Mas, logo no primeiro dia de julgamento, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão anulou as coimas aplicadas aos ex-administradores e ao Banco Montepio.

Ou seja, o tribunal anulou a nota de ilicitude emitida pelo Banco de Portugal por considerar que não foi dado o tempo suficiente para o direito de defesa dos arguidos.

Em comunicado, o Banco de Portugal diz que "discorda do entendimento subjacente à decisão agora proferida pelo Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão, que diverge, aliás, do teor de muitas outras que, ainda recentemente e sobre a mesma questão de direito, têm sido proferidas por tribunais superiores". Vai, por isso, recorrer da anulação.

Que processo é este?

O Banco de Portugal teve mão pesada para Tomás Correia ao aplicar-lhe uma coima de 1,25 milhões de euros por 20 infracções. Também ao Banco Montepio foi aplicada uma coima de 2,5 milhões de euros.

Aos restantes sete ex-administradores, foram aplicadas coimas entre os 17,5 mil euros e os 400 mil euros, dependendo da graduação dos ilicitos de cada um.

No comunicado esta segunda-feira publicado, o Banco de Portugal sublinha que a decisão do tribunal não produz nenhum juízo sobre o assunto em causa, mas sim sobre o processo. "Importa salientar que o Tribunal da Concorrência Regulação e Supervisão não se pronunciou sobre a substância das infrações pelas quais o Banco de Portugal havia condenado os arguidos, não tendo, portanto, de modo nenhum, emitido qualquer juízo a esse respeito, designadamente no sentido de absolver os arguidos das infrações que lhe foram imputadas", sublinha o supervisor liderado por Carlos Costa.

No processo são visados Tomás Correia, José Almeida Serra, Eduardo Farinha, Rui Gomes do Amaral, Álvaro Damâso, Jorge Barros Luís, Paulo Magalhães e Pedro Alves Ribeiro e ainda a própria Caixa Económica Montepio Geral (hoje designada de Banco Montepio).

Ex-administradores arrasam BdP

Numa reação à decisão do tribunal, os até aqui condenados criticam a postura do Banco de Portugal no processo, lembrando que ficou provado pelo tribunal que não seria possível à defesa encontrar a prova “nos cerca de 303 anexos e 140 mil folhas do processo”, e sublinhando que a autoridade cometeu uma irregularidade sabendo que a estava a cometer.

“O Tribunal sublinhou, que já antes, ao decidir um recurso interposto ainda na fase administrativa do processo, alertara o Banco de Portugal de que a acusação sofria de vícios que punham em causa o direito de defesa e que esta entidade administrativa ainda estava em tempo de corrigir esses vícios. Sucede que (afirmou o Tribunal) o Banco de Portugal optou por não corrigir os referidos vícios, decidindo prosseguir o processo, apesar de alertado e avisado pelo Tribunal, de que esses vícios poderiam acarretar a nulidade do processo”, diz o comunicado enviado às redações em nome de todos os ex-administradores do Montepio visados no caso.

A defesa dos ex-administradores, assegurada por Alexandre Mota Pinto, Daniel Bento Alves e Rita Vieira Marques (do escritório de advogados Uría Ménendez Proença de Carvalho), considera, por isso, que a declaração de nulidade decidida pelo tribunal era “esperada”. Os advogados “não percebem como os seus constituintes puderam ser alvo de um processo e decisão, em que a entidade administrativa não observou uma decisão judicial, atuação que não se recordam de alguma vez ter visto, da parte deste regulador”.

Na nota, é reiterado que o grupo de visados não praticou nenhuma infração à frente do agora designado Banco Montepio, "num período extremamente difícil (no tempo da troika), tendo, aliás, contribuído (decisivamente) para que este fosse o único grande banco português, que não precisou de pedir ajuda aos contribuintes portugueses”.

Já a defesa do Banco Montepio está assegurada por Nuno Salazar Casanova, também do escritório de advogados Uría Ménendez Proença de Carvalho. É autónoma já que podem estar em causa interesses diferentes.

Ao Expresso, Nuno Casanova refere que o recurso do Banco de Portugal "não é possível" e que esta será uma questão para discutir. Isto porque o advogado considera que a "lei só permite recurso para o Tribunal da Relação de decisões finais" e, neste caso, não houve sequer julgamento pelo que o processo deveria ter voltado ao Banco de Portugal.

Uma decisão com precedentes

Esta decisão relativamente a um processo do Banco de Portugal não é inédita. Já tinha acontecido no processo do BES sobre branqueamento de capitais.

Igualmente nesta fase do processo, o juíz do tribunal de Santarém anulou a condenação relacionada com o BES relativa a ilicitudes decorrentes de branqueamento de capitais, imputadas a Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires, por falhas detetatadas nos mecanismos de controlo do banco e as suas sucursais e filiais de Angola, Cabo Verde, Estados Unidos e Macau.

Após estes recursos, o Banco de Portugal recorreu para o Tribunal da Relação, a qual, neste caso, foi favorável ao Banco de Portugal, pelo que o tribunal de Santarém teve de prosseguir o julgamento.

No caso do processo relativo ao Banco Montepio e aos ex-administradores terá de se aguardar o que vai dizer o tribunal ao recurso do Banco de Portugal. E das duas uma: ou manda prosseguir o julgamento e a anulação cai, como aconteceu com o BES, ou o Banco de Portugal terá de deduzir condenação, juntando uma tabela de prova dos factos - aquilo de que se queixa o Montepio e os arguidos.

(Notícia atualizada às 17.55 com mais informações, incluindo a posição da defesa do Banco Montepio)