Economia

Antigo sócio e atual inimigo de Berardo garante que bancos conhecem desde 2012 os riscos das obras de arte

É de Tóquio que vêm críticas severas a Joe Berardo. Partem de Francisco Capelo, colecionador que está na origem da coleção exposta no CCB. O colecionador diz que Fundação Berardo é uma "fachada" para tirar benefícios fiscais. E que os bancos souberam há muito que havia vontade de vender as obras de arte

Houve novas imparidades associadas aos créditos concedidos a José Berardo pelo Novo Banco este ano
TIAGO MIRANDA

Desde 2012 que os bancos sabem que José Berardo tinha interesse em alienar as obras de arte que estão em exposição no Centro Cultural de Belém. A garantia é dada pelo antigo sócio do empresário, que se tornou depois seu inimigo, Francisco Capelo, em respostas entregues aos deputados da comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. E, apesar de a coleção de arte ser o principal ativo que os bancos tinham para conseguirem serem ressarcidos dos empréstimos dados ao empresário, pouco fizeram até ao presente ano.

“Entrei, em finais de 2012, em contacto com o Dr. João Vieira de Almeida, na sua qualidade de advogado dos três bancos com exposição ao Grupo José Berardo, oferecendo toda a minha colaboração relativamente à Coleção Berardo e alertando-o para os empréstimos de obras de arte designadamente feitos pelo Sr. José Berardo, nomeadamente a exposição feita em Miami com as obras de arte mais importantes da coleção, com o risco da sua venda”, indicam as respostas, inscritas em sete páginas enviadas aos deputados.

Em causa estão Caixa Geral de Depósitos, Banco Comercial Português e Novo Banco – os três que se juntaram em 2019, depois de tentativas de recuperação infrutífera das suas dívidas, e avançaram com um processo de execução de 962 milhões de euros. Os bancos tentam chegar às obras de arte, que pertencem à Associação Coleção Berardo (de que Francisco Capelo foi sócio fundador), para serem ressarcidos das dívidas que concederam, sobretudo para que Berardo participasse na guerra de poder que houve no BCP em 2007.

Os bancos consideram ter o penhor sobre títulos da Associação Coleção Berardo, que é a dona das obras. E, segundo a descrição dos factos de Francisco Capelo, as instituições financeiras credoras de Berardo sabiam que havia intenção de Berardo de vender aquilo que lhes permitiria vir a recuperar os créditos concedidos.

Estas obras de arte estão, desde 2006, sob um acordo com o Estado, votos que foram renovados dez anos depois. Ou seja, antes do novo acordo do Estado com a Associação Coleção Berardo, as instituições financeiras já tinham conhecimento de que Berardo queria vender as obras de arte. Uma intenção que acabou mesmo por ser formalizada posteriormente. Como noticiou o Expresso em abril, o madeirense tentou vender as obras de arte que estão sob um regime de comodato em exposição no Centro Cultural de Belém. O Ministério da Cultura travou aquela intenção.

Metade do valor em 14 obras. Berardo tentou vender 16

O pedido de expedição de obras era de 16 obras da Coleção Berardo. Na carta aos deputados, Francisco Capelo relembra o estudo que fez para aferir a avaliação das obras, e concluiu que “o valor monetário da Coleção Berardo está concentrado num número limitado de obras de arte”. “Cerca de 50% [do valor está] num grupo de 14 obras, e 80% num grupo de 32”, enumerou.

Foi na Associação Coleção Berardo que houve alterações jurídicas que retiraram poder aos bancos para poderem ficar com as obras de arte - que estão a ser investigadas na justiça. Não se sabe quem ficou com esse poder em sua substituição. Mas Capelo não tem grandes dúvidas de quem foram os arquitectos. “Quanto é do meu conhecimento, tudo é decidido por José Berardo e os assuntos jurídicos pelo advogado André Luiz Gomes no quadro da relação mútua entre ambos estabelecida”. Foi este advogado que esteve ao lado de Berardo durante a audição na comissão parlamentar de inquérito à CGD – e que não quis que fossem filmadas as suas declarações.

Capelo esteve na Associação até junho de 1999 e “desde junho de 1999 que o objetivo de José Berardo foi e é o de vender a coleção de arte". "A própria assinatura e conteúdo do protocolo de comodato em 2006 é norteada por esta preocupação e vontade, mas não só”, comenta Francisco Capelo aos deputados, a quem diz que esta foi uma das razões para sair da associação.

Segundo o colecionador, Berardo também não quis legalizar o IVA sobre as obras adquiridas e entradas em Portugal, com receio de a sua coleção ser classificada como interesse nacional. “O interesse de José Berardo e do seu advogado André Luiz Gomes na redação e assinatura em 2006 do protocolo de comodato foi essencialmente afastarem a possível classificação ou nacionalização e ainda o problema financeiro do IVA. Com a assinatura do protocolo de comodato de 2006, essas preocupações foram resolvidas”, comenta.

Não é a única acusação. Na sua missiva, Capelo acusa a Fundação José Berardo – que se financiou junto dos bancos para comprar ações do BCP – de ser “uma entidade controversa" com "a natureza dos seus estatutos de legalidade questionável”. Foi criada, disse, “como uma fachada para permitir a existência de uma entidade essencialmente criada para beneficiar dos privilégios fiscais, sobretudo da isenção do pagamento de mais-valias nos investimentos financeiros”.

Travão à Sotheby's

Também o Governo de Passos Coelho, através do então secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, teve conhecimento do tema. Segundo Capelo, houve uma reunião "em finais de maio de 2013", em que foi sugerido ao governante para contactarem a leiloeira Sotheby's e pedirem uma avaliação formal da coleção Berardo.

"Tendo o Sr. José Berardo e o seu advogado André Luiz Gomes tido conhecimento desta iniciativa oficial, tudo fizeram para a bloquear, nomeadamente enviando documentos escritos à Sotheby's ameaçando com uma providência cautelar e exigÊncia de reparação por danos", acusa o colecionador. Daí que o próprio tenha feito essa avaliação