A comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos abrange os atos entre 2000 e 2015, um período em que estiveram em funções cinco primeiros-ministros. Só José Sócrates foi questionado sobre o assunto. E essa é uma das primeiras “considerações políticas” deixadas pelo chefe de Governo entre 2005 e 2011 nas respostas esta sexta-feira enviadas aos deputados da iniciativa parlamentar.
“Apesar do período abrangido pelos trabalhos da comissão ser aquele que vai de 2000 até ao presente, eu fui o único antigo primeiro ministro a ser convocado para prestar depoimento”, sublinha José Sócrates na intervenção prévia às respostas às perguntas feitas que chegaram aos deputados do inquérito parlamentar no final desta semana – ainda que a TVI as tenha revelado antes disso.
E é aqui que Sócrates deixa uma clara crítica ao partido de que foi secretário-geral. “Não posso deixar de notar que esta singular distinção teve a concordância do partido que apoiou o governo que liderei”. O grupo parlamentar socialista é coordenado por João Paulo Correia.
Aliás, sobre o tema de eventual interferência política, diz que a única indicação oficial que foi dada à CGD foi dada no Governo de Passos Coelho para que a participação na Cimpor fosse vendida.
Mas não é a única crítica ao PS. José Sócrates considera que o ataque a Vítor Constâncio deixou de ser um exclusivo dos partidos de direita. "Há muito que Vítor Constâncio é [alvo] dos partidos da direita, a diferença agora é que se tornou o alvo de todos - incluindo daquele de quem foi secretário geral e que o ataca tão injustamente como todos os outros".
Política e justiça de mãos dadas
“Eis a política e a justiça de mãos dadas para, em conjunto, ignorarem o princípio de presunção de inocência (dispensando a acusação de ser provada) e transformarem o processo judicial num litígio no qual o visado deve defender-se em duas frentes – na frente política e na frente judicial”, continua o ex-primeiro-ministro, que acrescenta que “a acusação do Ministério Público justifica as perguntas politicas e estas, por sua vez, reforçam a acusação”. Parte-se, assim, “para o ataque, para o insulto e para o seu verdadeiro objetivo – o ódio ao adversário político”.
Mesmo as perguntas – mais de 90 –, são usadas para “ferir”; “visam apenas o enxovalho público”.
“Assim sendo, em legítima defesa do meu nome e da minha reputação política, tomo a decisão de me defender imediata e publicamente de tão infames, injustas, absurdas e falsas imputações”, assume.
Contra abuso de autoridade
“Ao longo da vida, nunca suportei o abuso - em particular o abuso de autoridade, aquele que é o mais perigoso justamente porque é cometido em nome de todos, em nome do ‘nós’, em nome da ‘Nação’”, sublinha, também, Sócrates.
E esse é um sentimento que vê acontecer na comissão de inquérito: “Fico exatamente com esse sentimento quando vejo deputados que se acham no direito de fazerem perguntas a cidadãos sobre as razões que os levam a exercer os seus direitos previstos na lei - como se o exercício desses direitos carecesse de justificação perante as autoridades"
Há, nesta opinião, uma especial incidência no grupo parlamentar social-democrata: "Os deputados do PSD decidiram questionar-me sobre a minha opção de responder a esta comissão por escrito e a essa pergunta respondo da única forma que posso : a lei não vos dá o direito de perguntar porque razão decido usar um direito que, para ser usado, não precisa de ser fundamentado. A pergunta em si é um abuso - mas duvido que isto ainda signifique alguma coisa para o PSD”.
Nas comissões de inquérito, os atuais e antigos primeiros-ministros podem responder por escrito, em vez de presencialmente. Foi essa a opção de Sócrates.
Vale do Lobo, Campos e Cunha, crise no BCP, Vítor Constâncio, Joe Berardo e OPA da Sonae à PT, entre outros, são assuntos sobre os quais Sócrates discorre nas respostas.