Economia

Acerto de contas entre privados e ADSE longe de estar concluído

Em causa estão cerca de 38 milhões de euros que terão sido faturados a mais, em 2015 e 2016, pelos prestadores convencionados. Processo das regularizações arrasta-se desde o final de 2018 e quase causou a rutura entre hospitais privados e o subsistema de saúde dos funcionários públicos

Não se vislumbra o fim do processo das regularizações extraordinárias entre os prestadores privados de saúde que têm acordos com a ADSE, ao abrigo do regime convencionado.

Em meados de dezembro de 2018, a ADSE notificou os hospitais privados de que havia um acerto de contas a fazer de 37,9 milhões de euros, que teriam sido faturados em excesso em 2015 e 2016 e surgiu um clima de forte crispação. Pouco tempo depois, os maiores grupos privados de saúde – José de Mello Saúde (Cuf), Luz Saúde e Lusíadas Saúde – ameaçaram rasgar os acordos com a ADSE e passarem a tratar os beneficiários deste subsistema com as mesmas regras e condições usuais nos clientes com seguros de saúde (desvantajosas em relação às condições contratadas com a ADSE).

Os privados tiveram até finais de fevereiro (devido a pedidos de prorrogação do prazo) para se pronunciarem sobre o acerto de contas, muitos fizeram-no e outros recorreram para o tribunal para contestar uma regra que consideram ilegal. Entretanto, ainda não se passou à fase de negociação sobre os valores em causa, à semelhança do que aconteceu em processos anteriores.

“Não vamos ficar dois anos a negociar como aconteceu no passado”, avisa Eugénio Rosa, membro do Conselho Diretivo da ADSE, eleito pelos representantes dos beneficiários, lembrando que, como já foi admitido pela ADSE, “haverá erros nas contas apresentadas e correções que têm de ser feitos”. Por isso, o valor em dívida pelos privados será menor.

E estamos a falar de uma redução de que ordem? São os 30% do valor das regularizações brutas que a ADSE constituiu como provisão nas contas de 2018? Para Eugénio Rosa este valor é excessivo tendo em conta o histórico passado. “É um valor que eu considero excessivo, devia ser muito menor, pois é quase o dobro da percentagem verificada nas regularizações brutas de 2011 a 2014. No entanto, o verdadeiro valor só será conhecido no fim de todo o processo”, escreveu o economista no seu blogue.

Já para Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, a situação não avança porque não há contactos nesse sentido por parte da ADSE. “Não sabemos de mais nada desde fevereiro, altura em os prestadores enviaram à ADSE os elementos no âmbito do processo das regularizações”, diz o responsável, que contesta os montantes apresentados pelo subsistema.

“Tendo em conta as situações [de enganos] de que tenho conhecimento a ADSE não conseguirá justificar mais do que 15% deste valor”. “Há muitas situações de preços faturados abaixo do preço de custo”, sustenta Óscar Gaspar.

Para 2017 e 2018, o valor das regularizações será de 21 milhões de euros, segundo um parecer do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE ao Relatório e Contas de 2018 deste organismo.

Quer a ADSE, quer os privados querem acabar com a incerteza que gera o mecanismo das regularizações e, por isso, está a ser preparada uma tabela de preços fechados para o regime convencionado. Foi, aliás, a promessa da rápida conclusão desta (gigantesca) tarefa que serenou os ânimos e permitiu que os cerca de 1,2 milhões de beneficiários do subsistema de saúde dos funcionários do Estado continuassem a usufruir, sem alterações nos valores das comparticipações, de cuidados junto dos maiores hospitais privados.

Porém, não só as regularizações não estão fechadas, como tarda a nova tabela de preços. “De junho não passa”, garante Eugénio Rosa, acrescentando que os valores estão apurados, mas que estão em causa “milhares de alíneas de preços”, o que torna o processo muito demorado e implica “várias reuniões do Conselho Diretivo” para haver consenso.

Depois disso, os preços serão apresentados a uma amostra de prestadores que seja representativa de estruturas com pequena, média e grande dimensão e que terão a oportunidade de dar os seus contributos para serem feitos eventuais acertos.

Uma longa história de conflito

Em 2009, as tabelas gerais dos custos com cirurgias (em ambulatório e com internamento) acabaram e os preços para estes procedimentos passaram a ser abertos, ou seja, os privados é que definiam os valores. Ficou também estabelecido que, anualmente, haveria um acerto de contas, em que os privados devolviam dinheiro à ADSE sempre que cobrassem acima do preço médio acrescido de 10%.

“Em 2009, a ADSE celebrou adendas aos contratos com os prestadores que tinham, à época, convenção com ADSE, cujas cláusulas determinaram o preço aberto para os procedimentos cirúrgicos. Isso permitiu que um ato que, à data tinha um valor fixo, passasse a ter um valor aberto, ou seja, os prestadores passaram a faturar o que entendessem para este tipo de atos”, explicou em entrevista à SIC, a presidente da ADSE, Sofia Portela, no auge do braço de ferro com os grandes prestadores privados. Para salvaguardar a ADSE “ficou definido também que se pudesse fazer uma regularização no final do ano”.

Em 2014, há uma nova mudança e as regularizações passam a incluir os medicamentos antineoplásicos (para combater o cancro) que são muito dispendiosos e as próteses intraoperatórias, os chamados dispositivos médicos (como pacemakers, lentes oculares ou implantes auditivos.

Abriu uma nova porta para aos atritos entre a ADSE e os privados, cujas relações têm vindo a degradar-se. Aliás, até o ministro das Finanças, Mário Centeno, se viu obrigado a falar sobre o problema das diferenças de preços, nos mesmos produtos, praticados pelos vários prestadores. “Preços diferenciados para os mesmos atos, preços muito acima do que hospitais públicos suportam em termos de custos, isso não pode continuar. Mas, o Governo não descobriu isso agora”, disse no Parlamento, apontando a necessidade de se rever o relacionamento entre a ADSE e prestadores privados de saúde, cumprindo o decreto-lei de execução orçamental de 2018, que determina a revisão das tabelas da ADSE.

É esse trabalho que está a ser feito, com grande demora, primeiro para o regime convencionado e, depois, para o regime livre.

Os preços que estão a ser fechados pela ADSE dizem respeito a medicamentos, exceto os oncológicos, dispositivos médicos, exceto as lentes intraoculares, e os consumos em sala cirúrgica (no caso em que o respetivo procedimento não seja faturado em pacote).