Os dividendos voltaram ao Banco Comercial Português. Os acionistas, reunidos em assembleia-geral, aprovaram a proposta da administração de pagar 0,002 euros por ação em remuneração acionista. No seu todo, são 30,2 milhões de euros. Para pagar este montante, o banco liderado por Miguel Maya vai buscar dinheiro a uma reserva que estava guardada desde 2011.
A proposta de aplicação de resultados do BCP, que dedica 30,2 milhões em dividendos aos accionistas, foi aprovada com 99,98% dos votos na assembleia-geral que se realizou esta quarta-feira, 22 de maio, no Tagus Park, em Oeiras, onde estava representado 64,5% do capital.
Segundo a proposta aprovada, a Fosun, com 27,25% do capital (reforçou ligeiramente a sua presença na segunda metade de 2018), arrecada 8,2 milhões de euros. É a primeira vez que o grupo chinês recebe dividendos do banco, para onde entrou em 2016.
Já a petrolífera angolana Sonangol, com 19,49%, tem direito a auferir 5,9 milhões de euros. A empresa está no capital do banco desde 2008, sendo que, entre 2011 e 2018, nada recebeu, já que o banco não pagou dividendos.
Uma soma de 1 milhão de euros segue para os Estados Unidos, já que é a parcela correspondente à posição de 3,39% atribuída à gestora de ativos BlackRock. Para o Grupo EDP, com presença através do seu fundo de pensões, vai uma quantia de 631 mil euros.
Mais de 15 milhões segue para os restantes investidores, com participações mais reduzidas.
É a primeira vez que há remuneração acionista no BCP desde 2010.
Para pagar estes dividendos, o BCP utiliza uma parte muito reduzida dos resultados gerados no ano passado, mas sim dinheiro que já tinha sido colocado de lado há largos anos.
O que é ir buscar ao cofre?
O BCP teve lucros de 301 milhões de euros em 2018 na base consolidada (que integra todo o grupo e participações internacionais), mas, em termos individuais, que são os relevantes para a distribuição de dividendos, o resultado positivo foi de 59 milhões.
Deste montante, uma parte tem de ser colocada obrigatoriamente na reserva legal (10%, equivalente a 5,9 milhões). Para os resultados transitados, e de modo a reforçar capitais, passam 40,5 milhões. E há uma parcela de 12,6 milhões que serve para distribuir pelos colaboradores, como forma de compensação pelos cortes salariais entre 2014 e 2017.
E é por isso que, para dividendos, só sobram 228 mil euros. Mas o BCP paga 30,2 milhões de euros em dividendos. Logo, precisa de 30 milhões para chegar a esse valor. Como? Porque vai aos “cofres” constituídos no passado.
Os estatutos do BCP previam, até ao ano passado, a existência de uma reserva para “estabilização de dividendos”. Estavam aí 30 milhões de euros. Era este o valor que ainda estava “guardado” desde 2011, o último ano em que esta reserva tinha sido reforçada.
Ora, a administração propôs que todo este montante fosse distribuído em dividendos. A reserva vai ser, assim, esvaziada.
Os accionistas aceitaram esta distribuição na mais participada assembleia-geral do BCP na última década.
Regresso aos dividendos marcado por maior AG desde 2008
O regresso aos dividendos foi marcado pela maior representação de accionistas na assembleia-geral da última década. Desde 2008, na primeira reunião magna anual do mandato de Carlos Santos Ferreira, que não havia tanto capital representado: 64,5%.
Os quatro maiores accionistas do BCP, aqueles que têm participação qualificada (acima de 2%) têm, em conjunto, 52,2%.
Nos anos de crise, em que o banco privado não remunerou o acionista, a participação foi sempre mais baixa nas reuniões anuais, com menos de 50% dos acionistas presentes. No ano passado, estava representado na assembleia-geral 63,04% do capital.
Apenas recuando a 2008 há uma participação superior à deste ano: 65,97%. Aconteceu nos primeiros meses da liderança de Santos Ferreira, depois da guerra de poder que opôs o fundador do banco, Jardim Gonçalves, e o seu sucessor, Paulo Teixeira Pinto, e em que empresário Joe Berardo era então um dos maiores acionistas.
O regresso aos dividendos acontece também numa assembleia-geral marcada por uma manifestação que uniu sindicatos que têm mantido, entre si, alguma distância. Centenas de pessoas, ao som do “Seja Agora”, de Deolinda, pediram aumentos salariais. Três sindicatos entregaram até uma carta à comissão executiva liderada por Miguel Maya para pedir atualização salarial e devolução de todos os cortes salariais no presente.
Mudanças na Sonangol sem efeitos no BCP
A assembleia-geral do BCP acontece também no mesmo mês em que houve mudanças no segundo maior acionista. Sobre o facto de ter mudado o presidente da Sonangol, com o afastamento de Carlos Saturnino pelo presidente de Angola João Lourenço, tanto o presidente executivo, Miguel Maya, como o presidente da administração, Nuno Amado, recusam problemas para o banco.
Amado lembrou aos jornalistas, após o fim da assembleia-geral, que as propostas que estiveram sob votação foram aprovadas por mais de 99% dos accionistas presentes – estava representado 64,5% do capital. “Acho que diz tudo”.
Sublinhando esses números, Miguel Maya foi mais longe. “Não há nenhuma razão para estarmos preocupados com a alteração da presidência da Sonangol. A postura institucional da Sonangol tem sido de correcção e de apoio ao conselho de administração”, disse.
“Não temos nenhum sinal de que haja alguma alteração da política e do apoio por parte dos accionistas”, continuou o CEO do banco.
(Notícia atualizada às 19:20 com declarações sobre Sonangol)