Economia

Comendadores têm de "defender e prestigiar Portugal". O que é preciso para tirar as condecorações a Berardo?

O Presidente da República vê com bons olhos a que Conselho das Ordens Nacionais analise as duas condecorações de Joe Berardo. Há políticos a pedirem a sua perda. E até um condecorado, José Miguel Júdice, diz que entregará a sua se não for retirada a do empresário madeirense. Como se processa?

ANTÓNIO COTRIM/Lusa

Comendador desde 1985. Grã-Cruz desde 2004. São as condecorações atribuídas a Joe Berardo, da Ordem Infante D. Henrique, e que poderão vir a ser analisadas pelo Conselho das Ordens Nacionais para estudar uma eventual retirada. O Presidente da República, que é o responsável por superintender tudo o que diz respeito às ordens honoríficas, não se opõe. Há pedidos de políticos, e não só, para a retirada das insígnias. Há uma lei a definir como tudo pode acontecer.

O Presidente da República não se opõe e vê mesmo com bons olhos uma análise por parte do Conselho das Ordens Nacionais ao caso Berardo, noticiou o Jornal de Negócios, uma informação que o Expresso também confirmou.

Na verdade, o Chefe de Estado é o responsável máximo no que diz respeito às ordens honoríficas nacionais: “O Presidente da República, como Grão-Mestre das Ordens Honoríficas Portuguesas, superintende na organização, orientação e disciplina das Ordens”, indica a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas. Mas um eventual desenrolar de um procedimento sobre Berardo não é

Na sua declaração sobre o tema Berardo, Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender que tinha havido desrespeito pelo Parlamento na audição da comissão de inquérito à CGD. O Chefe de Estado sublinhou que é necessário respeito pelas instituições, “a começar nas instituições do poder político”. “Respeitar significa ter decoro, ter uma maneira respeitosa de tratar com estas instituições. É bom que as pessoas que são importantes, ou porque alguém que as considerou importantes ou porque o foram em determinado momento, tenham a noção que a importância tem um preço”, afirmou, quando questionado sobre o comportamento do comendador.

Portugal tem três tipos de ordens honoríficas: as antigas ordens militares, as ordens nacionais e ainda as ordens de mérito civil. A Ordem Infante D. Henrique é uma das duas ordens nacionais, a par da Liberdade. A primeira condecoração de Berardo foi atribuída em março de 1985, de comendador da Ordem Infante D. Henrique, quando era presidente Ramalho Eanes. A segunda, Grã-Cruz da mesma Ordem, foi pelas mãos de Jorge Sampaio, e data de outubro de 2004.

O que faz o Conselho das Ordens Nacionais

Sendo uma ordem nacional, é o Conselho das Ordens Nacionais que é o responsável por olhar para o cumprimento dos deveres. “Defender e prestigiar Portugal em todas as circunstâncias” é um deveres dos membros das Ordens Honoríficas Portuguesas. Quando não são respeitados, pode haver uma avaliação tendente à sua retirada.

“Sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do Chanceler do respetivo Conselho”, indica a legislação. A chanceler no caso do Conselho das Ordens Nacionais é Manuela Ferreira Leite, sendo que os vogais são Isabel Mota, José Silva Peneda, Braga da Cruz, Bagão Félix, Elvira Fortunado, Fátima Velho da Costa e Carlos Beato.

Este Conselho das Ordens Nacionais é responsável por “julgar os processos disciplinares instaurados aos membros das Ordens e propor ao Presidente da República e Grão-Mestre das Ordens a irradiação dos mesmos”. Também é sua competência “efetivar a irradiação automática dos membros das Ordens” que tenham sido irradiados e "dos que, por sentença judicial transitada em julgado, tenham sido condenados pela prática de crime doloso punido com pena de prisão superior a três anos”.

Abrindo-se um processo a Berardo, é designado um instrutor, que tem de ser “um membro da Ordem de grau superior ao do arguido, ou do mesmo grau, se for Grã -Cruz”, que é o caso de Berardo. No processo, o “arguido” tem de ser ouvido, que, a acontecer neste caso, é Berardo. Ao visado “deve ser entregue nota de culpa e facultada a apresentação de defesa”.

Havendo acusação “julgada procedente”, pode haver duas consequências: “admoestação”, que é uma reprimenda, ou a “irradiação”, a retirada das condecorações, variando “conforme a gravidade da falta e do desprestígio causado à Ordem”.

Este assunto esteve em cima da mesa em relação a Cristiano Ronaldo. Marcelo quis saber, no início deste ano, se havia alguma consequência para o futebolista da condenação judicial em Espanha por fraude fiscal, em que pagou uma coima para substituição da pena. A conclusão foi a de que havia condições para a sua manutenção.

Júdice entrega condecoração se Berardo mantiver

Sobre Berardo, que esteve no Parlamento a dizer que não tinha dívidas em nome pessoal (ainda que os bancos peçam 962 milhões de euros ao empresário e a três empresas a si ligadas), já tem havido pedidos para a retirada da condecoração.

A ainda eurodeputada Ana Gomes, nas suas páginas nas redes sociais, já afirmou que o Presidente da República tem de decidir sobre a retirada, a que se junta Nuno Melo, cabeça de lista do CDS nas Europeias. “Sugiro realmente que se medite sobre a ligeireza com que se condecoram pessoas em Portugal e, desde logo, que se reavalie esta condecoração a Joe Berardo. Quem pede milhões a bancos e depois, enquanto se ri, diz que não deve nada, ao mesmo tempo que os contribuintes em dificuldade pagam, não merece ser comendador de coisa nenhuma”, disse o eurodeputado.

O advogado José Miguel Júdice, no espaço de opinião na SIC Notícias, condecorado como Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique, diz mesmo que deverá entregar a sua condecoração se não for retirada a de Berardo.

“Os comportamentos que aparentemente são eticamente censuráveis, foram censurados pelo Presidente da República. Quando é que o Sr. Presidente da República responde a isto: tira a condecoração ao Sr. Berardo ou os condecorados com a Ordem Infante D. Henrique devem entregar [as suas condecorações]?”, disse.

No mesmo espaço de opinião, afirmou que não lhe apetecia ter Berardo como “companheiro”, por isso, assumiu que iria “esperar algum tempo”. “Se o Presidente da República entender que deve manter a condecoração ou se não der uma boa explicação, fica com uma para distribuir a outro senhor Berardo que venha a acontecer no futuro”, avisou.

O QUE DIZ A LEI DAS ORDENS HONORÍFICAS PORTUGUESAS

"Artigo 54.º

Deveres dos membros das Ordens

1- São deveres dos membros titulares das Ordens Honoríficas Portuguesas:

a) Defender e prestigiar Portugal em todas as circunstâncias;

b) Regular o seu procedimento, público e privado, pelos ditames da virtude e da honra;

c) Acatar as determinações e instruções do Conselho da respectiva Ordem;

d) Dignificar a sua Ordem por todos os meios e em todas as circunstâncias.

2- Os membros honorários têm o dever de não prejudicar, de modo algum, os interesses de Portugal.

Artigo 55.º

Disciplina das Ordens

1 — Sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do Chanceler do respetivo Conselho.

2 — Para instrutor do processo é designado no mesmo despacho um membro da Ordem de grau superior ao do arguido, ou do mesmo grau, se for Grã -Cruz.

3 — No processo disciplinar é diligência impreterível a audiência do arguido, ao qual deve ser entregue nota de culpa e facultada a apresentação de defesa.

4 — Concluída a instrução, é o processo presente ao respetivo Conselho e nele relatado pelo instrutor, que assiste à reunião, sem voto.

5 — Se a acusação for julgada procedente, é imposta ao arguido, conforme a gravidade da falta e do desprestígio causado à Ordem, a sua admoestação ou irradiação.

6 — A admoestação é da competência do Chanceler e consiste na repreensão do infrator, pessoalmente ou por escrito.

7 — A irradiação dos quadros da Ordem tem a mesma forma do ato de concessão e implica a privação do uso da condecoração e a perda de todos os direitos a ela inerentes."