Economia

“Quem foi o mais prejudicado aqui fui eu”. Assim foi Berardo no Parlamento

Não tem património, mas também não tem dívidas. Foi isto que disse Joe Berardo aos deputados, numa audição pautada por momentos de tensão e por respostas que trouxeram novas interrogações. E que acabou com uma corrida dos jornalistas à volta do Parlamento

A CGD, BCP e Novo Banco vão juntar esforços para executar a dívida de Joe Berardo, que, segundo o Correio da Manhã, ascende a 980 milhões de euros
António Pedro Ferreira

No início de abril, Eduado Paz Ferreira, que foi líder do conselho fiscal da Caixa Geral de Depósitos, esteve no Parlamento a indicar que aquilo que os bancos estavam a ponderar fazer relativamente a José Berardo – executar a dívida de 962 milhões de euros – era uma operação “kamikaze”. A audição desta sexta-feira, 10 de maio, mostrou-o.

A casa onde vive pertence-lhe? “Claro que não pertence”. Esta foi uma das respostas dadas aos deputados da comissão parlamentar de inquérito ao banco público, que prova a dificuldade no processo de execução lançado pela CGD, BCP e Novo Banco e que levantou perplexidade aos parlamentares ao longo da audição.

Sem garantias com valor, é para a colecção Berardo - aquela que está exposta no Centro Cultural de Belém com base num acordo do comendador com o Estado - que as instituições financeiras olham para recuperar valor. Mas a garantia dos empréstimos concedidos pelos bancos são unidades da Associação Coleção Berardo, e não as próprias obras de arte que são posse dessa entidade.

“Toda a gente sabia que aquilo não era a colecção, eram os títulos da associação. Eles [bancos] é que avaliaram”, declarou Joe Berardo. E se os bancos executarem a associação? Riu-se. “Eles que façam, têm todo o direito”. "Vamos ver o que acontece", ironizou.

Ao longo da audição, que se estendeu por quase cinco horas, o empresário madeirense foi criticando os bancos. “Não sabem o que fazem”. As instituições financeiras é que devem analisar o que fizeram mal.

Aliás, sobre isso, adiantou que foram os bancos que não usaram os seus direitos e acabaram por ser eles a perder força na associação dona da coleção. Recusou que tivesse dado algum golpe para escapar ao pagamento das dívidas. “Um golpe [são] as pessoas que estão a dirigir estas instituições, que não sabem o que fazem”, respondeu.

“Não tenho nada”

Além disso, que bens tem? Nada, disse. A Quinta da Bacalhoa, onde fez uma festa em 2017, não é sua. “Não é minha, não tenho nada”. É tanto sua como o Parlamento, disse o empresário, que, ao longo da audição, foi sempre pedindo ajuda ao advogado, André Luiz Gomes.

Joe Berardo não tem nem património, nem dívidas pessoais. “Eu pessoalmente não tenho dívidas”. Se há, são de outras entidades. No processo de execução dos grandes bancos, de 962 milhões, além de ser visado em nome pessoal, há outros alvos: Fundação José Berardo, Metalgest e Moagens Associadas. Como se pode chegar lá? Não se sabe.

Ainda sobre o tema, e com base nas notícias que surgiram dizendo que uma única garagem é o seu único bem, o comendador até ironizou: “Se [na banca] quiserem levar a garagem, podem levar”. Devolvam o resto já penhorado. Diz isso, por um lado. Por outro, acrescenta que está disponível para se entender. “Estamos em negociações com bancos e vamos ver se chegamos a conclusão em breve”.

Ainda que sem explicando por que motivo, Berardo foi-se assumindo como lesado. “Quem foi o mais prejudicado aqui fui eu”, declarou, referindo igualmente que o BCP tinha sido o “pior desastre” da sua vida. Foram as acções do banco que foram adquiridas com os repetidos empréstimos solicitados à banca, que se desvalorizaram e obrigaram a um reforço de garantias – em que estava a colecção de obras. O comendador adiantou ainda que ficaria “muito contente” com o fim do acordo de exposição da colecção Berardo com o Estado que vem desde 2006 e que se estende até 2022 – e que o impediu de vender as 16 obras.

A audição foi pautada por momentos de tensão, incluindo quando o advogado lavrou um voto de protesto por estar a ser tudo transmitido no Canal Parlamento. E as respostas exasperaram, por vezes, os deputados. Confrontado com o facto de a CGD ter custado uma “pipa de massa”, respondeu com três palavras. “A mim, não”, contrapôs.

“De repente, não me lembro”, foi também outra das respostas que foi dando. “Sou disléxico, misturo nomes, números. Não sou perfeito, ainda bem”, confidenciou na audição, que terminou com os jornalistas a correrem à volta do Parlamento.

Notificação?

Joe Berardo saiu da audição - onde confirmara que ainda não tinha sido notificado do processo de execução movido pelos três maiores bancos (CGD, BCP e Novo Banco) - e nesse momento não estava sozinho. Surgiu a notícia de que agentes de execução tinham pedido ao presidente da comissão para poderem vir notificar o empresário do processo. Foi recusado. Estariam na porta lateral do Parlamento no final da audição.

Ora, os jornalistas seguiram o empresário no fim da reunião, que foi seguido num passo paralelo por outras quatro pessoas, que nunca quiseram confirmar que eram agentes de execução. Mas que seguiram o empresário até que se tornou impossível continuar a acompanhá-los.

A dúvida sobre a notificação não ficou satisfeita. Não foi a única. Ficaram muitas.