Economia

Berardo, GES e Fino: desde 2011 que o Banco de Portugal sabia dos problemas que causavam à Caixa

Há uma auditoria à CGD, feita pelo Banco de Portugal há oito anos, que aponta para as falhas detectadas pela EY em 2018. “Que consequências foram tiradas aí?”, perguntou Mariana Mortágua

ANDRE KOSTERS/Getty

O empresário Joe Berardo, a Espírito Santo International (do Grupo Espírito Santo) e a Investifino (de Manuel Fino): todos foram visados numa auditoria interna feita pelo Banco de Portugal, em maio de 2011, que detetou incumprimentos que em 2018 foram novamente identificados pela EY. Carlos Costa diz que foram tomadas decisões desde então. Contudo, pelo menos uma coisa não foi feita então: a retirada de consequência sobre os antigos gestores do banco público.

O documento foi entregue pelo Banco de Portugal à segunda comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos, e foi alvo de referências pela deputada bloquista Mariana Mortágua na audição do governador, que teve lugar esta quarta-feira, 27 de março.

A EY detetou, ao analisar as decisões de gestão na CGD entre 2000 e 2015, desconformidades entre o que era decidido na concessão de créditos e o que estava no normativo interno, como as garantias exigidas insuficientes, e passando por cima de pareceres da direção de risco.

Mas já em 2011, o Banco de Portugal descobria, através desta auditoria ao crédito titulado, que havia “critérios pouco prudentes de valorização de garantias” no cálculo das imparidades dos créditos concedidos.

Três exemplos da falta de prudência do banco público

Um dos critérios “pouco prudentes” é “a consideração de avales pessoais sem que haja a avaliação do património do avalista”. Aqui, o empresário Joe Berardo, que se tinha financiado na CGD para ganhar força enquanto acionista no BCP (e que tinha dado ações do banco privado - altamente desvalorizadas naquela altura - como garantia), era um exemplo.

Outro: A “consideração de uma potencial mais-valia a utilizar pelo mutuário (Investifino) na amortização da dívida, assumindo que este exerce a opção de compra da ações da Cimpor contratada com a CGD e vende as mesmas a um preço superior [...] sem que haja certeza quanto à concretização dessas transações”.

E, no caso da “holding” de Manuel Fino, havia mais uma questão: “apesar do rácio de cobertura global ter chegado a valores muito baixos, não foram encetadas negociações nem feitas insistências para obter reforços de garantias, ou amortização da dívida”.

No que diz respeito ao Grupo Espírito, mais precisamente, a Espírito Santo International, descobrira-se a “inexistência de constituição de penhor efetivo das ações dadas em garantia de alguns créditos".

Como indicou a deputada, “constatou-se que grande parte dos créditos analisados foi aprovada em condições diferentes das preconizadas pela direcção geral de risco raramente estas operações obtiveram parecer favorável” da direcção de grandes empresas.

Carlos Costa defende que tudo teve seguimento

“Todas [as conclusões] são iguais às da EY”, concluiu a deputada.

O governador Carlos Costa recusou que nada tenha saído daquela auditoria feita pelo Banco de Portugal. Aliás, sublinhou que é o sinal de que o supervisor até tinha feito um bom trabalho, por ter feito tais descobertas naquela altura – afirmação que mereceu risos dos deputados.

“Seguramente que houve um conjunto de injunções que acompanharam essa auditoria e que levaram a um reforço da qualidade de governo da Caixa Geral de Depósitos”, respondeu o líder do supervisor da banca. “Pode ter a certeza que nenhuma auditoria fica sem seguimento”, continuou.

Em 2012, o banco público recebeu uma injecção estatal de 1.650 milhões de euros, sendo que em 2017 veio a capitalização pública de 3.900 milhões, que teve de ser acompanhada por uma subscrição de dívida por privados de 930 milhões. Dinheiros que entraram e obrigaram a instituição financeira liderada por Paulo Macedo a emagrecer, com fecho de balcões, saída de pessoal e abandono de várias geografias.

Além disso, só em 2018, após a auditoria da EY, é que se colocaram dúvidas relativas a ex-administradores da CGD, como Norberto Rosa - que depois de 2011, da referida auditoria interna, foi assessor do Banco de Portugal.

Na sua audição, Carlos Costa recusou que no seu caso pudesse ser reavaliado, devido às regras europeias. Contudo, defende que, mesmo que acontecesse, não haveria problemas.