Economia

Menos poder para Carlos Costa, mais envolvimento do Governo: o plano para evitar novos BES

Os poderes mudam de mãos, as remunerações são definidas de forma diferente e a exoneração do governador sofre alterações: estas são algumas das mudanças da reforma da supervisão, aprovada pelo Governo e que está agora para discussão no Parlamento. O objetivo teórico é reforçar a coordenação entre os supervisores, para evitar que novos escândalos como o BES se repitam

TIAGO PETINGA / Lusa

Chegou à Assembleia da República a proposta do Governo para a reforma da supervisão financeira, que foi aprovada em Conselho de Ministros a 7 de março. A perda de privilégios do Banco de Portugal, a alteração das causas para a exoneração de um governador e os maiores custos para os supervisionados são alguns dos destaques do diploma final (que será agora debatido pelos deputados), cuja versão inicial - que se mantém em grande medida - foi noticiada pelo Expresso em fevereiro.

Desejada deste 2015, a reforma da supervisão financeira é alvo de proposta de lei em 2019, a meio ano de eleições. Em 2009, ano de legislativas, tinha sido anunciada uma outra reforma. Não avançou.

Agora, a mais recente já está no Parlamento. Tem de estar preparada até ao verão, antes das férias parlamentares, para poder ser aprovada na atual legislatura. E, assim, entrar em vigor em 2019.

Conselho de coordenação ganha força

  • São cinco as entidades que pertencem ao pretendido sistema de supervisão: as autoridades sectoriais (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões - ASF -, o Banco de Portugal - BdP - e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários - CMVM), o reforçado Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (que passa a ter estrutura própria) e a nova Autoridade de Resolução e Administração dos Sistemas de Garantia (ARSG)

  • Este sistema tem de se articular com a “política económica, financeira e orçamental do Estado”. É ao Comité Nacional para a Estabilidade Financeira, criado em 2007, que cabe esse papel. É o órgão consultivo do Governo, presidido pelo ministro das Finanças e onde estão os supervisores

Banco de Portugal deixa de ter estatuto privilegiado face os outros reguladores

  • Os estatutos do BdP aproximam-se dos da CMVM e ASF. Os mandatos dos administradores são equiparados: sete anos, não renováveis. No BdP, há perda do lugar de um administrador, mesmo assim, ficará maior que o dos restantes

  • Passam a ter de existir conselhos consultivos em todos os supervisores (já acontece), mas os líderes das autoridades deixam de poder presidir a esse órgão. Terão de ser pessoas “de reconhecida independência e conhecimento”. Não poderão ser remuneradas

  • A regra para a contratação de pessoal nos supervisores é a realização de concursos. As exceções precisam de fundamentação e da luz verde da comissão de auditoria

Supervisores vão ser avaliados por uma comissão

  • “Comissão de avaliação e remunerações”: este é o órgão criado para dar parecer sobre os nomes propostos para as administrações de todas as entidades do Sistema Nacional de Supervisão Financeira, que funcionará junto do Ministério das Finanças. É também sua a função de definir as remunerações. Será presidida por uma “pessoa de reconhecida idoneidade e experiência em matéria de supervisão financeira”, cuja escolha cabe ao Ministério das Finanças, integrando também elementos designados pelo BdP, CMVM, ASF e CNSF, que devem ser antigos administradores da área da supervisão

Banco de Portugal pode financiar Autoridade da Concorrência

  • O Governo quer mexer na forma de financiamento da Autoridade da Concorrência, pretendendo que o supervisor da banca contribua para ela. “O financiamento da AdC é assegurado pelas prestações do BdP e das autoridades reguladoras sectoriais e pelas taxas cobradas, nos termos a definir nos estatutos”. Mas os novos custos têm levantado dúvidas. E ainda falta ao Banco Central Europeu dar o seu parecer sobre este encargo imputado ao supervisor


Riscos sistémicos passam a ser avaliados por todos

  • A supervisão macroprudencial, que se debruça sobre os riscos do sistema, que está agora no BdP, é transferida para o CNSF (Conselho Nacional de Supervisores Financeiros), envolvendo todos os supervisores - uma resposta a uma crítica das autoridades no passado (casos BES e Banif)

  • É criada uma nova entidade para ser a autoridade de resolução bancária, a ARSG, mas o BdP continua a ter um papel central, incluindo a sua presidência. É esta autoridade que vai gerir o Fundo de Garantia de Depósitos, o Fundo de Resolução e ainda o Sistema de Indemnização aos Investidores

  • Não há alterações de relevo em relação à supervisão comportamental, mantendo cada supervisor esse poder sobre a sua área sectorial

Governo mexe na exoneração do governador do Banco de Portugal

  • Há alterações na exoneração do governador. Ficam tipificadas algumas das causas que podem justificar a exoneração

  • O BdP passa a ter regras definidas em lei sobre o código de conduta. Os membros da administração não podem participar em reuniões em que sejam tema as entidades para que trabalharam nos três anos anteriores à designação. À saída, estão impedidos, por dois anos, de trabalharem para entidades sobre as quais exerceram poder de supervisão

Parlamento tem de receber mais informações

  • Há uma intensificação das exigências de informação a transmitir à Assembleia da República por parte das entidades supervisoras

Governo deixa trabalho para próximo Executivo

  • O Governo deixa trabalho para o próximo Executivo. Dentro de um ano, após a entrada em vigor da lei (que, ocorrendo aprovação parlamentar este ano, será no início de 2020), têm de ser fechados diplomas, como a revisão do regime da comercialização de produtos financeiros de poupança e investimento

  • A avaliação dos impactos da revisão do Sistema de Indemnização aos Investidores, que foi ativado na liquidação do BPP mas que por enquanto escapou a custos com o BES e o Banif, é uma das tarefas que o diploma prevê que seja concretizado no espaço de dois anos a contar da implementação da reforma

Dentro de três anos, tudo pode ser novamente revisto

  • "Decorridos três anos da produção de efeitos da presente lei, o membro do Governo responsável pela área das finanças promove a avaliação dos resultados da aplicação do mesmo e da demais legislação adotada no âmbito do SNSF e pondera, em função dessa avaliação, a necessidade ou a oportunidade da sua revisão", aponta o diploma