“Sabia para o que vinha, sabia que era mau, não tinha ideia que fosse tão mau”. Foi assim que José Rodrigues de Jesus concluiu a sua audição parlamentar sobre o Novo Banco esta terça-feira, 13 de março. É dele a responsabilidade de acompanhar a evolução dos ativos cobertos pelo risco do Fundo de Resolução.
Na audição da comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, os deputados foram mostrando perplexidade pelas respostas que iam sendo dadas por Rodrigues de Jesus, que preside à designada comissão de acompanhamento do Novo Banco, que estava ao lado do colega José Bracinha Vieira.
Rodrigues de Jesus esteve na administração do BCP, nomeado pelo Estado, quando aí foi injetado dinheiro público, e diz que encontrou no Novo Banco “os mesmos nomes que lá via”, referindo-se aos clientes devedores de créditos concedidos. Dá, assim, força à ideia de que muitos dos devedores são partilhados entre os principais bancos do sistema. Além disso, havia outros “nomes de estimação do próprio Novo Banco, que eram de estimação do BES”, ou seja, estes já específicos.
Entre os clientes, há por exemplo clientes da construção com empreitadas no estrangeiro, a quem o banco tinha concedido “garantias de boa execução das obras” fora do país. Garantias que foram, sim, executadas e que foi a instituição financeira que “teve de honrar”.
Também há créditos que estão garantidos por ações do BCP: “Como sabem, as ações desvalorizaram 96%, agora recuperaram um bocadinho, mas o colateral perdeu substância”, admitiu José Bracinha Vieira.
E é aqui no mecanismo também que surgem as entidades “ligadas” a Ricardo Salgado que têm feito de “tudo” para não pagar créditos ao Novo Banco.
“Há casos em que é preciso ter coragem para resolver”, alertou Rodrigues de Jesus na sua audição, acrescentando que está em causa lidar com a reputação dos clientes, tendo em conta o seu “nome”, que não quis identificar.
Que mecanismo é este
Rodrigues de Jesus, em conjunto com José Bracinha Vieira, está na comissão de acompanhamento ao mecanismo de capitalização contingente, criado porque a Lone Star, aquando da compra de 75% do capital do Novo Banco em 2017, não se quis comprometer sobre aquele conjunto determinado de ativos.
O mecanismo foi criado para que o Fundo de Resolução se pudesse responsabilizar por um determinado conjunto de ativos. Esta carteira tóxica tinha, em junho de 2016 (a data de referência para o arranque do mecanismo), um valor bruto de 12,7 mil milhões de euros mas já havia imparidades constituídas, pelo que o seu valor líquido era de 7,9 mil milhões. Em dezembro de 2018, o portefólio tinha uma avaliação bruta de 7,5 mil milhões, com o líquido a deslizar para 4 mil milhões. Aqui estão créditos (52%), fundos de reestruturação (25%), entre outros, como imóveis (23%).
Neste mecanismo, o Fundo de Resolução pode vir a colocar 3,89 mil milhões de euros. Incluindo já este ano, já foram pedidos cerca de 2 mil milhões, ou seja, metade do montante.
Tudo melhora com o lucro do resto do banco
Os responsáveis da comissão de acompanhamento acreditam que não haverá necessidade adicional de ir buscar dinheiro ao Fundo de Resolução quando o banco sair da zona de prejuízos, o que deverá ocorrer em 2020. Mas ainda falta um ano até lá.
“Se a parte restante do banco tivesse lucro, não era preciso buscar um cêntimo ao banco”, disse Rodrigues de Jesus. “A solução é o banco dar lucros que cubram prejuízos que venham das perdas” neste conjunto de ativos, continuou. Ainda não aconteceu, até porque o valor a ser convocado ao Fundo de Resolução tem em conta as perdas passadas naquele agrupamento - e Bracinha Vieira diz que essa é a grande razão para as elevadas perdas no ano passado.
Em 2018, a parcela "boa" do banco deu um resultado antes de impostos de 2 milhões de euros, insuficiente para cobrir quaisquer perdas. Daí que tenha havido prejuízos de 1,4 mil milhões, obrigando a uma injeção do Fundo de Resolução de 1,1 mil milhões.