Economia

Governo tira poderes ao Banco de Portugal mas passa palavra ao Parlamento

Governo aprovou a reforma da supervisão financeira. A seis meses das eleições, passa a responsabilidade pelo processo legislativo em torno deste diploma, que pretendia implementar desde 2015

TIAGO PETINGA/Lusa

O Banco de Portugal (BdP) vai perder poderes. Essa é uma das consequências da legislação que o Governo aprovou esta quinta-feira, em Conselho de Ministros e que vai agora ser trabalhada na Assembleia da República, à qual terá ainda de chegar a opinião do Banco Central Europeu sobre as mudanças propostas.

“Foi aprovada a proposta de lei que altera a supervisão financeira em Portugal”, revela o comunicado da reunião do Conselho de Ministros, que considera que o modelo em causa está “em linha com o existente a nível europeu”.

Na prática, e como já noticiado pelo Expresso, há alterações na articulação entre os supervisores num quadro que retira poderes específicos ao supervisor da banca, que vai agora partilhá-los com as outras duas autoridades financeiras: a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).

“Partilhar responsabilidades não é ter menos responsabilidades”, sublinhou o ministro das Finanças, Mário Centeno, na conferência de imprensa.

Os poderes retirados e mantidos

Há dois poderes do BdP que são retirados da esfera direta do Banco de Portugal. Um deles é a supervisão macroprudencial, de análise dos grandes riscos para todo o sistema financeiro, sendo que o outro prende-se com a autoridade de resolução, o poder de intervir em instituições bancárias. O BdP mantém, nesta versão agora aprovada, a supervisão comportamental (forma de atuação perante o cliente) e a microprudencial (individual, a cada instituição).

A primeira, a supervisão macroprudencial, sai do BdP para o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, que já existe desde 2000 mas que só agora ganha figura jurídica. Este órgão tem sido presidido pelo governador do supervisor da banca mas agora haverá uma presidência rotativa com os restantes supervisores - CMVM e ASF. E é aqui que ficará a supervisão macroprudencial.

“A resolução é confiada a uma nova entidade, a Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia, com autonomia orgânica e que assim garante a adequada segregação, como recomendam as regras europeias”, indica o comunicado do Conselho de Ministros. Aqui, o Banco de Portugal deixa de ser a autoridade mas será um seu representante a presidir. Continuará, portanto, envolvido, até pelas ligações aos congéneres europeus.

É esta entidade que ficará com a responsabilidade de gerir os sistemas que existem na banca (Fundo de Resolução, Fundo de Garantia de Depósitos e Sistema de Indemnização aos Investidores). Aliás, é intenção do Governo poder alargar este último sistema para cobrir mais casos – nos últimos anos, nem BES nem Banif foram suficientes para cumprir os critérios que levassem ao seu acionamento. Só que esse é um trabalho que Mário Centeno deixa para dois anos depois da entrada em vigor do diploma.

Segundo o comunicado da reunião dos governantes desta quinta-feira, esta proposta “tem como principal marca o reforço da coordenação entre as autoridades de supervisão nacionais e a autonomização das funções de resolução, tendo por finalidade o aumento da eficácia da supervisão e o reforço da estabilidade financeira”.

O Banco Central Europeu ainda não deu o seu parecer sobre esta proposta do Governo (e tem de dar, já que o Banco de Portugal faz parte do seu sistema), pelo que só chegará quando o diploma já estiver na Assembleia da República. E um dos pontos sobre os quais a autoridade monetária poderá comentar é a forma de financiamento da nova arquitetura da supervisão, que pode aumentar os encargos sobre os supervisionados e levantar dúvidas sobre o financiamento a um banco central (que tem limitações legais).

Na versão que estava em cima da mesa em fevereiro, previa-se a alteração do mandato do governador - para um período único de sete anos, sem qualquer possibilidade de renovação, ao contrário do regime atual -, bem como havia mexidas nas causas para uma exoneração (mexidas depois de uma legislatura em que muitas foram as críticas do Governo ao governador).

Reforma há muito esperada

A intenção de fazer uma reforma da supervisão financeira faz parte do programa do Governo, foi anunciada logo em 2015, mas só em 2019, a sete meses das eleições legislativas, foi concluída pelo Executivo. É esse o período de que a Assembleia da República dispõe para concluir a reforma ainda nesta legislatura.

Apesar da intenção cedo anunciada (sobretudo tendo em conta as críticas que foi fazendo ao Banco de Portugal), só em 2017 o Governo avançou para a constituição de um grupo de trabalho para elaborar uma proposta, sendo que aí estava Pedro Siza Vieira, enquanto advogado, que depois passou a ser ministro, onde continuou a estar envolvido no desenho do diploma.