A sustentabilidade da dívida pública portuguesa no longo prazo está ameaçada se a consolidação orçamental deixar de ser uma prioridade política e se os governos não lidarem com o disparo nos custos com o envelhecimento da população, avisa o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre Portugal divulgado esta segunda-feira em Lisboa. Neste cenário, dizem as simulações da OCDE, a dívida nacional poderá regressar a 110% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2050 .
A dívida pública mantém-se acima de 100% desde 2011 e, de acordo com os dois cenários de longo prazo mais pessimistas estudados pela OCDE, poderá ficar acima deste patamar a partir do final da década de 30 se a geração de excedentes orçamentais for abandonada e regressará a 110% - próximo do nível de 2011, aquando do resgate pela troika – em 2050 no caso de os governos não adotarem novas políticas de contenção aos efeitos demográficos.
“A trajetória da dívida pública será altamente dependente do ritmo de consolidação orçamental e da capacidade de o governo introduzir novas medidas que compensem o aumento dos custos do envelhecimento”, refere o documento, que considera uma boa estratégia de consolidação a geração de excedentes primários estruturais (corrigidos do ciclo económico, sem juros e sem efeitos extraordinários) de 2,2% do PIB ao ano depois de 2020. Um dos cenários mais pessimistas pressupõe que aqueles excedentes vão emagrecer gradualmente até ficarem em 1% do PIB ao ano a partir de 2030 fruto de uma alteração da estratégia política.
Para o economista Ricardo Cabral, “projeções a tão longo prazo não fazem sentido”. O professor da Universidade da Madeira, especialista em dívida pública, critica o documento da OCDE por não referir o problema da dívida externa e considera que “choques externos adversos terão um muito maior impacto na sustentabilidade da dívida do que os efeitos do envelhecimento da população, a principal preocupação da OCDE”.
Risco de médio prazo são os juros
No médio prazo, o maior risco, diz a OCDE, vem da subida das taxas de juro da dívida que atualmente estão em mínimos históricos em termos de financiamento no mercado. Recorde-se que o juro médio nas emissões de dívida em 2018 fechou em 1,8%, um mínimo histórico. O cenário base da organização prevê que a taxa média anual da dívida a 10 anos – que serve de referência – suba de 1,8% em 2018 para 2% em 2019 e 2,3% em 2020.
O problema é se o ritmo de subida dos juros ao longo da década de 20 for superior. O terceiro cenário pessimista da OCDE para Portugal aponta para uma subida de meio ponto percentual ao ano levando cinco anos para ter impacto completo no custo do serviço da dívida. Se este cenário se concretizasse, a dívida não conseguiria descer sequer para os 80% do PIB daqui a 30 anos.
O cenário otimista, apontando para uma descida continuada do rácio da dívida até perto de 60% do PIB em 2050 – ficando finalmente, ao fim de três décadas, perto de cumprir com a regra de Maastricht –, exige a consolidação orçamental continuada que a OCDE recomenda.
Dívida fecha 2018 em 121,1% do PIB
A dívida pública em 2018 deverá ter ficado em 121,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018, estima a OCDE. Mas o ‘fardo’ continua muito pesado e um nível tão elevado, o terceiro mais alto na Europa, limita a capacidade de resposta do governo português a choques económicos no futuro, sublinha o documento.
A estimativa da OCDE é ligeiramente melhor do que a meta de Mário Centeno para 2018 que aponta para 121,2%. Estes valores representam a manutenção do ritmo de descida anual do peso da dívida próximo de 4 pontos percentuais, ainda que abaixo da redução de 4,4 pontos percentuais conseguida em 2017. No entanto, no quadro de indicadores e projeções publicado pela OCDE no relatório, o rácio para 2018 apontado é de 121,7%, acima do que é mencionado no texto do documento.
Ainda não se dispõe do rácio oficial da dívida para o final do ano passado, o que só deverá ser divulgado a 26 de março. O valor de fecho da dívida pública em 2018 – aplicando o critério de Maastricht – foi de €244,93 mil milhões, segundo o Banco de Portugal. Mas falta conhecer Para o rácio cair para próximo de 121%, segundo as previsões da OCDE e do governo, o PIB teria de ter crescido no ano passado para um valor acima de €202 mil milhões.
Os pressupostos de Mário Centeno, inscritos no Orçamento de Estado para 2019 (OE19), basearam-se em estimativas de crescimento real do PIB de 2,3% e inflação média anual de 1,3%. Ora, o crescimento real deve ter ficado duas décimas abaixo e a inflação uma décima abaixo, segundo as estimativas recentes do Instituto Nacional de Estatística. São décimas, mas podem alterar as contas do rácio da dívida, que poderá ter ficado mais próximo de 121,7% apontado no quadro da OCDE.
Um fardo muito alto
A OCDE destaca a descida significativa do rácio da dívida desde o pico de 130,6% do PIB em 2014, mas não deixa de sublinhar que o nível de dívida português continua a ser “um fardo muito alto comparado com outros países membros da OCDE”. Em 2017, Portugal ficou em terceiro lugar no grupo das economias europeias mais endividadas em relação ao PIB, depois da Grécia, o campeão, e de Itália, recorda a organização. Para o economista Ricardo Cabral, professor na Universidade da Madeira, a evolução pode ser muito melhor do que aponta a OCDE e mesmo o governo: “Os dados atuais (saldo primário, taxa de crescimento nominal do PIB, taxa de juro nos mercados secundários) sugerem uma trajetória da dívida melhor do que a prevista quer pela OCDE, quer pelo Governo”.
Para a organização internacional, o nível de endividamento “limita seriamente a capacidade da política orçamental para responder a choques económicos futuros”. Uma margem de manobra que ainda poderá ficar mais apertada nos próximos anos se se concretizarem três riscos de médio e longo prazos cujos impactos foram testados em três cenários avançados pela OCDE.