O Governo finlandês ameaçou, o Governo português não reagiu pelo que, de janeiro de 2019 em diante, as relações económicas entre Portugal e a Finlândia deixam de ser reguladas por qualquer acordo bilateral. A formalização da denúncia da convenção fiscal entre os dois países foi publicada esta quinta-feira em Diário da República, e é a expressão da inação do governo português quanto ao polémico tema dos reformados estrangeiros que vêm para Portugal gozar de duplas isenções de IRS.
A decisão da Finlândia é um gesto pouco comum em termos diplomáticos. Sendo um dos países que têm assistido à fuga de reformados para Portugal, a Finlândia foi o primeiro a pedir a renegociação da sua convenção fiscal, que data da década de 1970. O Estado português acedeu e fechou um acordo com Helsínquia em Novembro de 2016, acordo esse que devolve ao governo finlandês a possibilidade de tributar estas pensões no seu território, estancando a perda de receita e a contestação social que a situação tem gerado internamente.
Se tudo tivesse corrido como seria esperado, esta nova convenção já teria sido ratificada e já estaria em vigor – a expectativa de Helsínquia era que produzisse efeitos no início de 2018. Só que o Governo, em vez de enviar a convenção para ser ratificado pelo Parlamento, engavetou-a, e até hoje tem-se limitado a dizer que o documento será brevemente submetido à Assembleia da República, sem mais explicações.
Foi face a esta atuação que a Finlândia ameaçou em abril rasgar o acordo antigo o que, na ausência da sua substituição pelo novo, abriria um vazio legal e devolveria à Finlândia a possibilidade de tributar as pensões dos reformados que estão em Portugal com o estatuto de residente não habitual.
É essa ameaça que agora se concretiza, com a publicação em Diário da República da denúncia formal da convenção.
Primeiro-ministro finlandês evita polémica
Apesar do insólito da situação, ela parece ser mais uma matéria para consumo doméstico dos finlandeses do que capaz de abalar as relações diplomáticas bilaterais.
Ainda em outubro, numa passagem por Portugal com uma delegação de empresários, o primeiro-ministro finlandês não chegou a tocar no assunto com António Costa. Na altura, em declarações escritas ao Expresso, a embaixadora Tarja Laitiainen explicou o silêncio em torno da questão com o facto de o tema não ter estado na agenda da visita. E adiantou que, não existindo convenção, “as empresas têm os benefícios das diretivas empresa mãe-filial e juros-royalties, será aplicado o chamado acordo/convenção arbitral geral da União Europeia” e que “a dupla tributação será eliminado segundo a legislação nacional”.
Governo recusa prestar informação
Já do lado do governo português, a matéria gera divisões. As Finanças têm proposto soluções que lidem com o problema da dupla não tributação de forma estrutural, mas António Costa não quer ouvir falar em mexer num regime que tem valido a Portugal a acusação de estar a fomentar o planeamento fiscal agressivo à escala europeia.
A relutância em relação ao tema estende-se ao fornecimento de informação, com o Governo a recusar-se sistematicamente a fornecer estatísticas detalhadas que permitam perceber quem já está em Portugal a beneficiar de quais benefícios fiscais.
No Parlamento, o Bloco de Esquerda já vai no quarto pedido de informações, todos sem qualquer réplica.
Ao Expresso foram fornecidas estatísticas parciais, após uma queixa submetida junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Segundo esses dados genéricos, desde 2009 o Fisco concedeu o estatuto especial a 23.767 cidadãos (em 2017 foram 28 autorizações por cada dia útil) oriundos de 147 países. A Finlândia é país de origem de 491 cidadãos.