Economia

“A Autoeuropa começou no interior”

Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças

alberto frias

Miguel Cadilhe foi o responsável pelas propostas fiscais do Movimento pelo Interior apresentadas na semana. Entre elas consta a ideia de os benefícios ao abrigo do regime contratual de investimento serem exclusivos para o interior. Uma medida que tem dado bastante polémica. O ex-ministro das Finanças não concorda com as críticas e lembra que, não só três quartos do continente são interior, como a própria Autoeuropa nasceu no interior.

Tem havido muitas críticas à proposta de tornar exclusivo para o interior o regime contratual de investimento com que o Estado capta investimentos. Concorda que pode penalizar Portugal na atração de investimento estrangeiro?
Não concordo. Nem sequer faz muito sentido porque o interior ocupa três quartos do continente, segundo a definição legal, e é fácil qualquer investidor encontrar localização para o seu investimento contratual junto ao litoral — perto de Leiria, Braga ou Guimarães — ou então mesmo na costa — como Alcácer do Sal. Concelhos como Pedrógão Grande ou Figueiró dos Vinhos que sofreram as tragédias do ano passado são interior. E eu pergunto-me: se o regime contratual do investimento tivesse sido criado com o exclusivo do interior desde o início, o despovoamento do interior não teria sido combatido? E tragédias como as que aconteceram talvez não tivessem acontecido ou não tivessem acontecido naquela dimensão.

Um dos casos muito referidos é o da Autoeuropa. Há críticas que dizem que esta medida pode afastar novas Autoeuropas.
A Autoeuropa quando fez o contrato localizou a fábrica num meio relativamente rural e que hoje seria classificado interior. O interior tem que ver com critérios de atraso relativo. Palmela é um caso paradigmático precisamente do contrário do que alguns dizem. A Autoeuropa começou no interior. Além disso, a proposta que fizemos salvaguarda investimentos de expansão de atividades já existentes. Para novos investimentos é que o regime é exclusivo. Não vejo um investidor, nacional ou estrangeiro, que não encontre localização para o seu investimento no interior. Não faz sentido sequer essa hipótese. Aqui há um falso argumento.

Esta medida é a mais importante das que foram apresentadas na vertente fiscal ou apenas a mais discutida?
É uma das mais importantes e das mais potentes. O regime contratual de investimento é um investimento muito forte para o Governo, em nome do Estado português, dar benefícios fiscais, financeiros e infraestruturas a um investidor, e este fica obrigado a uma séria de objetivos durante vários anos. Estes investimentos são os que trazem progresso, competitividade e emprego qualificado que interessam muito ao interior. Se não temos um regime exclusivo, o investidor pode preferir o litoral por todas as condições intangíveis: hospitais, cultura, lazer, vida social, entre outras.

Como viu a promessa do primeiro-ministro de uma taxa de IRC de 0% para o interior?
O primeiro-ministro quis aparecer com projetos e medidas de política fiscal. Tenho desde já reticências e depois tenho que ver o que é uma medida de IRC de 0%. O movimento ponderou uma medida de IRC de 0% mas não o fez. Está escrito. Porque o IRC de 0% é algo que vai contra a racionalidade económica. Provoca efeitos perversos de irracionalidade económica. Como acontece com uma taxa de juro real negativa. E receio muito, além disso, que se venha a cair num daqueles enganos como foi o IRC de 12,5% para o interior que este Governo criou mas que é demasiado apertado nas suas condições. Fazendo as contas, vale uma diferença de 600 e tal euros de poupança por ano. Isto não motiva nenhuma empresa a investir no interior. É irrisório, é brincar com o interior. Receio que a medida do IRC de 0% venha a ser uma coisa deste género.

É mais propaganda política?
Pois. E nós precisamos de medidas com um impacto muito forte.

Além desta proposta, que outras considera mais importantes?
É o IRC de 12,5% mas sem limites de matéria coletável e de dimensão da empresa. Tem que ser aprovado na União Europeia mas mal vai a União Europeia se, depois das tragédias do ano passado, não aprovar. Depois há o regime de quadros especialmente qualificados com IRS de 20% exclusivo para o interior para pessoas que se desloquem do litoral ou do estrangeiro. Neste momento, o regime é só para pessoas que venham do estrangeiro. E temos ainda dois regimes alternativos para o investimento — o regime fiscal de apoio ao investimento e o regime de benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo — exclusivos para o interior.

Acredita que é possível corrigir as assimetrias em Portugal?
Eu e o Movimento pelo Interior não temos a ilusão de termos a solução para o problema do interior. O interior precisa de políticas estruturais de grande impacto, dimensão e diferenciação. Foi nessa linha que o movimento se colocou. Com isto, sei que podemos ir lá. Sem isto, não vamos a lado nenhum.