Belmiro de Azevedo não teve hipóteses contra Bill Lynch, dono da sul-africana Imperial Holdings, em 2006. No ano seguinte, a história de superação dos irmãos Martins, do grupo Martifer, ficou na sombra de Guy Laliberté, o criador do Cirque du Soleil. Em 2009, a BA Vidro, de Carlos Moreira da Silva, perdeu para o vidro chinês de Cho Tak Wong, da Fuyao Glass. Já a escalada hoteleira de Dionísio Pestana foi ofuscada pela primeira mulher a vencer o prémio Entrepreneur of The Year, Olivia Lum, que ergueu em Singapura a Hyflux Limited, dedicada à dessalinização, depois de uma vida de fome. Há quatro anos, Manuel Alfredo de Mello e o azeite da Nutrinveste não superaram a visão de Uday Kotak, que abriu as portas da Índia à banca privada. Os últimos empreendedores portugueses a defrontarem pesos pesados da economia numa final do prémio máximo da consultora EY, no Mónaco, foram Bento Correia e Miguel Leitmann, da Vision-Box, que revolucionaram o mundo das viagens aéreas com soluções de controlo de passageiros. Mas também eles viram a possibilidade de vitória afundar-se, em 2016, perante o percurso de Manny Stul, filho de refugiados polacos na Austrália, que criou uma fábrica de brinquedos a partir do dinheiro poupado com o trabalho na construção.
Fugir do precipício
Irá Portugal ao ‘pódio’ do prémio da EY à sétima tentativa? A ‘tarefa’ cabe a António Rios de Amorim, líder da Corticeira Amorim, perante cerca de 50 concorrentes. Mas o presidente do júri que, no dia 12 de abril, o elegeu como Empreendedor do Ano em Portugal, António Gomes da Mota, reconhece: “Empresários e empresas de pequenos países têm sempre uma dificuldade acrescida de afirmação internacional.” Ainda assim, “a Corticeira Amorim atingiu uma dimensão internacional relevante e pode ilustrar uma história consolidada e bem-sucedida de crescimento a partir de inovação e diferenciação”, acrescenta o presidente não-executivo do conselho de administração dos CTT.
António Rios de Amorim (sobrinho de Américo Amorim, considerado o homem mais rico de Portugal e falecido no verão passado) está à frente da Corticeira Amorim desde 2001, uma altura marcada pela quebra da indústria da cortiça. Sob o peso de uma herança empresarial que remonta a 1870 (ler “Amorim em retrospetiva”), Amorim teve de saber dar a volta à matéria-prima que lhe escapava das mãos. “O mérito da empresa foi sair de todo este processo ganhadora. Hoje, somos mais competitivos, temos um modelo de governo completamente diferente e uma visão e planeamento estratégicos muito mais assentes em bases discutidas por toda a equipa de gestão”, resumiu o empresário ao Expresso. A gestão centralizada na personalidade de Américo Amorim — que fazia o trabalho de “10 ou 15 pessoas”, como admitiu o atual presidente — transformou-se num modelo estratégico mais colaborativo.
Quando, nos anos de 1990, surgiram vedantes alternativos às rolhas de cortiça, o abalo atingiu a base da indústria. O grupo decidiu manter a cortiça no negócio, mas apostou em investigação e desenvolvimento e lançou novos produtos em direção a áreas como o mobiliário, a indústria aerospacial ou a cultura. Em 2012, por exemplo, 108 peças desenhadas pelo artista Ai Weiwei e pelos arquitetos Herzog e de Meuron foram esculpidas à mão por técnicos da Corticeira Amorim para a reputada Serpentine Gallery, em Londres.
Hoje, perto de 4000 pessoas trabalham para a empresa em mais de 35 países e “levam um produto tão português quanto a cortiça a mais de 100 países”, realçou o Empreendedor do Ano. Na final do Mónaco, a 16 de junho, Amorim quer “mostrar que ‘tradicional’ não é uma palavra que dê origem a uma empresa sem futuro mas que revela a longevidade da indústria”.
De empresários para empresários
Além da nomeação do Empreendedor do Ano de 2018, entre os dias 13 e 17 de junho estarão em debate temas urgentes como a colaboração entre os sectores público e privado, o futuro das cidades ou como empreender na incerteza atual da geopolítica. Mas é na última noite o momento alto do programa: a gala de atribuição do prémio.
O júri será composto por empreendedores distinguidos pela EY em anos anteriores, como o americano Jim Nixon, da Nixon Energy Investments; a russa Natalya Kaspersky, líder do InfoWatch Group; ou o chinês Ruigang Li, fundador da China Media Capital. Caberá aos empresários escolher entre cerca de 50 personalidades (ler “Quem vai defrontar Portugal no Mónaco”) de sectores tão distintos quanto o financeiro, o farmacêutico ou o alimentar.
Para Mário Ferreira, o patrão da Douro Azul e um dos finalistas da edição portuguesa do prémio da EY, “no estrangeiro, quando este tipo de histórias [como a de António Rios de Amorim] são vistas e analisadas, têm peso. Não tem de ser só um Cirque du Soleil ou uma Microsoft ou uma Apple. O que eles avaliam são histórias de vida e Portugal tem muitas”, disse ao Expresso. Na opinião de Rui Nabeiro, o criador da Delta Cafés, também não será a dimensão do país a atrapalhar Amorim. “Todas as grandes empresas têm a sua história.” E João Miranda, da Frulact — que foi distinguido na categoria Internacional pelo crescimento sustentado além-portas (está presente em três continentes e cinco países) —, não tem dúvidas de que “Portugal será muito bem representado”.
Amorim em retrospectiva
Primeira fábrica
Em 1870, começa a produção de rolhas de cortiça para o Vinho do Porto, a partir de Vila Nova de Gaia. 52 anos depois, nasce a empresa Amorim & Irmãos, Lda.
Exportação
Com 150 trabalhadores, na década de 30, a empresa exporta para países como o Japão, Estados Unidos, Brasil ou Alemanha. Além das rolhas, trabalham-se também revestimentos térmicos e acústicos, entre outras áreas.
Era Américo
Nos anos 60, é criada a Corticeira Amorim, liderada pela terceira geração da família, os quatro irmãos Amorim. É implementada a estratégia de transformar 70% dos desperdícios produzidos pela Amorim & Irmãos, Lda. Mais tarde, surge o Labcork, Laboratório Central do Grupo Amorim, para investigação e desenvolvimento. Em 1972, é inaugurada a primeira fábrica fora do país, em Marrocos.
Passagem de testemunho
Depois de uma série de aquisições e diversificações do negócio, em 1989, aos 22 anos, António Rios de Amorim chega à Amorim-Investimentos e Participações. Passa por diferentes áreas de negócio, até suceder aos 34 anos ao tio Américo Amorim, numa altura em que a corticeira enfrenta grandes prejuízos e um sector em queda.
Nova gestão
Rios de Amorim reorganiza o sistema de planeamento estratégico, introduzindo a metodologia Balanced Scorecard (baseada na avaliação de indicadores de desempenho), reparte as decisões de gestão pela equipa, inova e aposta na investigação para escapar à crise do sector.
Adeus ao líder
Com mãos da cortiça ao petróleo, Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, morre aos 82 anos, a 13 de julho de 2017. Sob a liderança de Rios de Amorim, o Empreendedor do Ano 2018, a Corticeira Amorim fechou o ano passado com um lucro de €73 milhões, registando €701,6 milhões em vendas.
Quem vai defrontar Portugal no Mónaco
Ainda há vencedores nacionais por apurar, mas, para já, contam-se quatro mulheres na corrida. Eis alguns finalistas
Dos empresários que competirão pelo título de Empreendedor do Ano internacional, 18% representam empresas de base tecnológica. A lista dos mais fortes candidatos em 2018.
Humberto Enrique Rodríguez, Colômbia
Antes de mais, Humberto Rodríguez é um ambientalista, e só depois o fundador do Grupo Sala. Chocado com os níveis de poluição de Cartagena começou a pensar em formas de reduzir o impacto da indústria. Em 1996, criou o Grupo Sala e focou-se na remoção de resíduos, recolha de lixo e saneamento básico. Hoje, as suas 24 empresas recolhem mais de 895 mil toneladas de resíduos sólidos e distribuem mais de 11 mil metros cúbicos de água anualmente.
Christian Beck, Austrália
O fundador da Australian Technology Innovators é um autodidata dos computadores. Fê-lo para ajudar a empresa do pai, há 20 anos. Entretanto, fundou a LEAP Legal Software e a InfoTrack, que atuam para melhorar a produtividade e eliminar o papel em empresas da área jurídica. Trabalham para mais de 5000 entidades e estão a expandir-se a um ritmo acelerado.
Lubomir Stoklásek, República Checa
Conduzir uma das mais antigas empresas de engenharia da Europa e não ser engolido pelo conservadorismo será um dos grandes triunfos de Stoklásek. A Agrostroj Pelhrimov começou a atividade em 1896, como uma pequena loja de reparação. Sobreviveu ao desmantelamento da Checoslováquia e hoje é líder no fornecimento de equipamento agrícola a nível europeu. Stoklásek lidera-a desde 1997 e superou uma quase-bancarrota investindo na manufatura de qualidade e na modernização da tecnologia.
Markus Villig, Estónia
Talvez a irreverência dos 19 anos tenha encorajado Markus Villig a entrar numa das áreas de negócio mais polémicas dos últimos tempos. Foi com essa idade que o estónio criou a Taxify, concorrente da Uber, como aplicação que permite chamar um táxi ou motorista privado através de uma aplicação de telemóvel. O serviço tem mais de cinco milhões de clientes na Europa, América Central, África e Médio Oriente.
Takateru Kawano, Japão
Kawano afirma que um dos seus objetivos de vida é reduzir o mottainai, e esta é a parte em que tentamos traduzir uma expressão sem equivalente. Aproximado, envolve não só o conceito de desperdício como a sensação de peso que ele pode provocar. Em 2005, o japonês criou a TKP Corporation para rentabilizar espaços comerciais vazios ou abandonados, transformando-os em centros de conferências e eventos. Num país onde há pessoas a viver em estúdios de oito metros quadrados, imagine-se a procura. Cerca de 1,5 milhões de pessoas utilizam os serviços da empresa.
Natividad Y. Cheng, Filipinas
Natividad Cheng e o marido, Robert, eram operários, e o salário médio ganho numa fábrica das Filipinas ronda os 15 mil pisos (€232). Um dia abandonaram os seus empregos para criarem o próprio negócio, porque detetaram uma oportunidade no mercado: a elevada procura e escassez de oferta de produtos feitos à base de espuma. Com 60 euros, fundaram a Uratex, em 1968, e são hoje o principal produtor de espumas e colchões do país.
Final sem apostas no Convento do Beato
A chuva torrencial da noite de 12 de abril saturou o cheiro a suspense em torno dos potenciais vencedores do prémio Empreendedor do Ano. Um a um, os oito finalistas iam chegando ao Convento do Beato, em Lisboa, debaixo de uma linha de guarda-chuvas negros. Manuel Rui Nabeiro e Rui Miguel Nabeiro, do Grupo Nabeiro, e António Rios Amorim, da Corticeira Amorim, detinham o lastro histórico, mas competiam com a “faina fluvial”, turística e imobiliária de Mário Ferreira, da Mystic Invest; com a audácia contra a fraude de Nuno Sebastião, da Feedzai; com Luís Miguel Sousa, do Grupo Sousa, que transformou o transporte marítimo a partir da Madeira; com João Miranda, que em dez anos viu a Frulact quase quadruplicar a faturação; e com a pegada mundial da WIT Software, representada por Luís Moura e Silva.
Entre a assistência, não havia favoritos nem apostas. “Qualquer dos candidatos representará muito bem Portugal no Mónaco”, declarou o octogenário Manuel Rui Nabeiro ao Expresso, antecipando a final do prémio EY Entrepreneur of The Year, agendada para junho. Depois de dezenas de entrevistas e análises de desempenho, o júri decidiu atribuir o prémio máximo a António Rios de Amorim. A João Miranda, da Frulact, e a Nuno Sebastião, da Feedzai (que não pôde comparecer na gala), couberam as distinções nas categorias Internacional e Inovação, respetivamente.
Textos publicados originalmente no Expresso de 21 de abril de 2018