Economia

“Europa está atrasada na revolução digital”

Michael Wade, professor do IMD, diz que se desperdiça dinheiro em projetos de transformação digital

Michael Wade, professor de inovação e estratégia no IMD, diz que “Portugal está a ganhar boa reputação e a fazer um bom trabalho na economia digital, mas ainda falta uma empresa global”
Luis Barra

“A Europa está atrasada na inovação digital. Os líderes são claramente os Estados Unidos e a China”, constata Michael Wade, professor de inovação e estratégia na escola de gestão IMD sediada na Suíça. “Apesar de ter um grande mercado, a Europa tem gerado um grupo reduzido de startups que se tenham tornado grandes histórias de sucesso e façam parte da lista dos unicórnios (tecnológicas avaliadas acima de mil milhões de dólares)”, constata este especialista que falou com o Expresso quando esteve em Lisboa a participar na conferência Digital Vortex, na Universidade Nova de Lisboa. Nem mesmo a Alemanha, que tem uma grande economia, “está a conseguir ter um elevado número de empresas tecnológicas de crescimento exponencial uma vez que tem apenas quatro unicórnios, tantos quantos a Escandinávia”, observa. Uma debilidade que é ainda mais notória no sul da Europa. “É estranho não haver um unicórnio na Península Ibérica”, aponta Michael Wade. No caso de Portugal, observa que “está a fazer um bom trabalho na economia digital, mas ainda não conseguiu criar um blockbuster (empresa de grande sucesso) global como aconteceu na Suécia com o Spotify”.

Esta baixa densidade de unicórnios resulta da combinação de vários aspetos: “A Europa é um mosaico de pequenos mercados e diferentes línguas, tem um ambiente regulatório complexo, há menos capital de risco do que nos EUA e continua a ter uma aversão ao risco”, sintetiza.

Digitalizar sem errar

As empresas tradicionais do Velho Continente também estão atrasadas no processo de digitalização ou estão a fazê-lo de forma errada. Para este especialista, que também é representante da Cisco no Global Center for Digital Transformation, a transformação digital tornou-se uma buzzword da moda, mas “há muito dinheiro a ser gasto em consultoria e em ferramentas tecnológicas, nem sempre da forma mais eficiente”. “Trabalhei para uma organização que teve uma experiência negativa com uma consultora. Não vou revelar nomes, mas vi que despenderam um montante elevado durante dois meses, mas pouco mudou”, refere Michael Wade. Por isso, defende que o “processo de transformação digital não deve ser feito em outsourcing, mas sim deve ser dirigido dentro da organização”.

Para este docente do IMD, “não basta dizer: quero tornar-me mais digital, para que a produtividade aumente e o desempenho melhore. Digitalizar só por digitalizar é uma má ideia”. Mais do que usar novas ferramentas tecnológicas, implica “melhorar os processos, envolvendo trabalhadores, fornecedores, canal de vendas e produção”.

A receita não é igual para todos os sectores de atividade, uma vez que cada um tem questões específicas. tal como é referido no livro “DigitalVortex”, que Michael Wade é coautor. “Media e entretenimento, retalho, serviços financeiros, empresas de serviços de tecnologia são as indústrias onde o digital tem mais impacto. Já as ciências da vida, indústria e petrolíferas são os sectores mais atrasados, mas, pouco a pouco, estão a aderir. Hoje é difícil imaginar uma empresa que não esteja a ser afetada pelo digital”, sublinha.

Para que os projetos corram bem, é importante “encontrar as tecnologias certas no momento certo”, o que significa “não avançar quando uma tecnologia não está madura” ou “não deixar-se atrasar demasiado”. Michael Wade dá outra dica: mesmo que os gestores decidam esperar e não avançar no imediato para o digital, recomenda que “devem estar em estado de alerta”.

Recomenda também que as empresas se devem abrir ao exterior. “Acabou a era da inovação apenas interna. Têm a ganhar se colaborarem com incubadoras, startups ou universidades ou até com empresas de outros sectores.”

Mudar mentalidades

Envolver as pessoas das empresas na digitalização é, para Michael Wade, “a parte mais complicada”. Porquê? “Porque, em muitos casos, a digitalização torna as pessoas redundantes e as leva a resistir à mudança.” Por outro lado, “há a coexistência dos dois mundos”. Dá o exemplo dos jornais. “Têm a edição em papel e uma edição digital. Se não tivermos cuidado parece que estamos perante uma situação em que de um lado estão os ‘velhos perdedores aborrecidos’ e do outro ‘os novos cruéis inovadores’.” Uma situação que Michael diz ser perigosa para um jornal porque “grande parte das receitas continua a vir da edição impressa”. “As editoras têm que continuar a focar-se e a melhorar o papel, ao mesmo tempo que devem ter presença no digital. Há aqui um dilema entre a otimização do negócio antigo e a aposta num novo negócio. E é muito difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo porque as competências são diferentes.”

Para Michael Wade, “a velha forma de pensar a estratégia está a morrer. De pouco vale ter um grande objetivo e um plano detalhado para lá chegar”. E acrescenta: “Hoje as empresas devem ter uma visão e um plano de curto prazo, no máximo de seis meses, que seja fácil de adaptar às mudanças do mercado.” Só que a maioria das empresas não está preparada para pensar desta forma. “Estão formatadas para iniciar um projeto, trabalhar sobre ele e abandoná-lo e começar outro. Hoje estamos num mundo em constante mudança e o trabalho nunca mais chega ao fim. É outra mentalidade”, conclui.