Economia

“Chegou o momento de a Google investir em Portugal”

Matt Brittin, presidente da Google Europa, Médio Oriente e África, anuncia os planos para Portugal e a estratégia de ataque a um dos flagelos deste tempo - as fake news

Matt Brittin elogia 
o talento português 
na área da engenharia 
e o ecossistema de startups, que “está 
a desenvolver--se bem 
em áreas de vanguarda”, como a inteligência artificial 
e os serviços de software na nuvem
José Caria

Portugal entrou definitivamente no radar da Google. “Chegou o momento de investir no país”, disse ao Expresso Matt Brittin, presidente da Google EMEA (Europa, Médio Oriente e África). De visita a Portugal por ocasião da Web Summit, teve um jantar com fundadores de startups portuguesas a quem manifestou a intenção de apostar em Portugal. “Estão reunidas as condições para o fazer porque há excelente talento na área de engenharia e o ecossistema de startups está a desenvolver-se bem em áreas de vanguarda, por exemplo, inteligência artificial (machine learning) e serviços de software na nuvem”, defende Matt Brittin, acrescentando que Portugal também tem a seu favor proporcionar “um bom estilo de vida” e a existência de “apoio governamental aos empreendedores”. Mas diz ser prematuro avançar com uma data e com o tipo de investimento que a Google poderá vir a realizar no país.

Sobre a incapacidade europeia em produzir um número elevado de startups de grande potencial de crescimento face aos EUA, Matt Brittin diz que isso se deve ao facto de não haver ainda um mercado único digital. “Se hoje uma startup quiser ter sucesso em toda a Europa terá um problema porque ainda tem de estar em conformidade com 27 regras e encarar a proteção de dados. Isto não é bom para ninguém. Nos Estados Unidos há uma só regra para 300 milhões de consumidores”.

Poder dominante 
e fake news

Durante a Web Summit, a Google esteve sob os holofotes por causa das intervenções críticas da comissária europeia, Margrethe Vestager. Abuso de poder dominante e responsabilidade no controlo das notícias falsas (fake news) foram algumas das acusações feitas ao gigante da internet. Matt Brittin respondeu a estas acusações em tom conciliador: “A Google tem a noção das responsabilidades e quer fazer parte do sucesso futuro digital da Europa. Temos mais de 14 mil trabalhadores, investimos em centros de dados em diversos países europeus, ajudamos os consumidores e as empresas a serem mais produtivas. Não me surpreende que se questione como as mudanças digitais e a tecnologia estão a interagir com as nossas crianças e com a sociedade. Admitimos que há aspetos que podem ser melhorados ou mudados de acordo com os legisladores e as autoridades”. Mas, em contrapartida, diz que a empresa vai continuar a contestar judicialmente a multa que foi imposta (€2,4 mil milhões) pela Comissão Europeia. Matt Brittin sugere que Bruxelas tem dois pesos e duas medidas, uma vez que “há outras empresas como a Amazon, eBay, Facebook ou o TripAdvisor que usam técnicas semelhantes de comparação de lojas de serviços online. Por que razão a Comissão decidiu não incluí-las como utilizadores de compras dinâmicas?”, questiona. “Esta é uma das razões pelas quais a Google contestou a multa”, acrescenta.

Quanto às notícias falsas (fake news), Matt Brittin refere que é um problema que envolve diferentes áreas, que já preocupava a Google antes de se tornar um tópico quente para a opinião publica, com a eleição de Donald Trump. “Não confundir fake news com as notícias que não foram devidamente confirmadas. Mas quando vemos páginas web originárias da Macedónia a quererem passar por jornais americanos, aí sim estamos a falar claramente de fake news. Neste caso temos responsabilidades. Poderemos atuar de duas formas: uma passa por colocar essas notícias de quarentena, fazendo-as passar por um crivo, antes de chegarem à sua audiência. A outra será fazer parar os seus autores”, diz Matt Brittin, admitindo que se trata de uma tarefa complexa, uma vez que, em cada mês, 10 mil milhões de pessoas pesquisam a Google para ter acesso a notícias.

Outra forma de combater o problema das notícias falsas, acrescenta, consiste em “acabar com quaisquer incentivos financeiros a quem produz notícias falsas, evitando que haja quem ganhe dinheiro com publicidade online (adsenses) que lhes está associada”. E revela que “a Google já retirou online mais de 1,7 milhões de maus anúncios”, e que “desmonetizou (retirou as receitas) alguns milhões de anúncios que financiavam esses sites”.

Questionado sobre se é possível melhorar esse controlo das notícias falsas através de inteligência artificial, o presidente da Google Europa diz que esse é o caminho, mas admite que se trata de uma tarefa complexa. “O problema é que qualquer um dos 3,4 mil milhões de pessoas que possuem um smartphone pode hoje publicar uma notícia. É bom que possam procurar informação, aprender e iniciar um negócio online, mas também podem publicar notícias falsas”. Como melhorar? “Estamos a aperfeiçoar técnicas de machine learning (inteligência artificial) e a colaborar com as autoridades e parceiros certificados. Estamos a fazer progressos, mas isto é um processo em curso. Do outro lado há sempre quem produza conteúdos que nós procuramos combater. Já estamos a fazer algumas coisas nesse domínio como impedir que no YouTube sejam publicados vídeos de violência extrema. Hoje conseguimos retirá-los em 80% dos casos”. Já na difusão de mensagens de grupos terroristas, diz que “a Google tem trabalhado com os governos para ter a noção do que deve (ou não) ser permitido”.

Ajudas à imprensa

Em relação às pressões que a Comissão Europeia e alguns governos individualmente estão a fazer para que os gigantes da internet paguem mais impostos, Matt Brittin diz que “a Google já paga muitas taxas em todos os países onde atua”. Alega que a empresa “cumpre as leis de cada país e que tudo o que faz está em linha com as regras fiscais internacionais. Os governos pretendem que as empresas paguem mais impostos nos países onde operam, mas as regras hoje vão no sentido de a maioria dos impostos ser paga onde têm lucros, nomeadamente nos EUA, o local onde temos a inovação e a liderança. A Google paga em média 20% de impostos da sua faturação, o que está em linha com a média da OCDE”, defende Matt Brittin.

O gestor mostra conhecer a ameaça que o digital representa para imprensa tradicional. “Trabalhei na imprensa antes da Google e percebo o problema. Os desafios da imprensa são-me familiares. Hoje as pessoas têm informação online de várias fontes em concorrência”, afirma, considerando ser importante que “o jornalismo esteja assente num modelo bem financiado e com audiência que resulte num bom modelo de negócio”. Diz que tem estado a trabalhar nos últimos três anos para dar mais sustentabilidade à imprensa tradicional, o que o levou à criação da Google News Iniciative (da qual a Impresa, proprietária do Expresso, faz parte) que visa ajudar as empresas de media. “Pagámos 11 mil milhões de dólares em 2016 às empresas de media em todo o mundo encaminhando publicidade online que monetiza as suas páginas web”. Por outro lado, diz que a Google está a “criar páginas mais rápidas para telemóveis, melhorando a experiência do utilizador” e a criar “novas formas de ganhar dinheiro com conteúdos vídeo no YouTube”.