As grandes superfícies comerciais já podem abrir até à meia noite de domingo a partir do próximo dia 24, desde que o comuniquem às câmaras municipais, segundo um decreto-lei hoje publicado. O novo regime de horários dos hipermercados, e outras grandes superfícies com mais de dois mil metros quadrados como o IKEA ou Toys'r'us entra em vigor este sábado e levanta uma proibição com cerca de 14 anos de restrição de horários ao domingo, integrando as grandes superfícies no regime geral de horários do comércio.
Segundo o decreto-lei 111/2010, hoje publicado, as grandes superfícies podem alargar desde já os horários de domingo "desde que o comuniquem" à câmara municipal da área em que se situa o estabelecimento "com um dia útil de antecedência".
Ou seja, se amanhã, Sábado, fosse um de semana útil, os retalhistas poderiam já pedir autorizações às autarquias e, caso essas lhe fossem concedidas, abrir já este Domingo. Assim sendo, só na próxima semana poderão fazer os requerimentos.
Supers ganharam aos hipers em 14 anos
Atualmente "apenas 5% dos estabelecimentos do ramo alimentar e 7,7% dos estabelecimentos do ramo não-alimentar se encontram abrangidos pelos horários impostos às grandes superfícies comerciais", diz o decreto-lei. Os atuais horários "encontram-se dissociados das necessidades e interesses locais, distorcem a concorrência em prejuízo do funcionamento do mercado e dos consumidores."
Hoje os hipermercados representam 25% das vendas de produtos de grande consumo em Portugal, segundo dados Nielsen relativos ao ano passado. Há 14 anos, quando entrou em vigor o decreto-lei 48/96 que agora se revoga, eles pesavam 42% (dados Nielsen de 1995). A lei protecionista nasceu no executivo socialista de António Guterres, em 1996, para defender o comércio tradicional que na altura valia 29% do sector. Hoje pesa 12%.
Jerónimo Martins é a mais lesada com nova lei
Os supermercados foram o formato que mais terreno ganhou nestes 14 anos. Aí destacam-se as lojas Pingo Doce (grupo Jerónimo Martins) e Modelo (Sonae). Têm, respectivamete, quotas de mercado de 15,9% e 12,4%, segundo dados Kantar Worldpanel relativos ao primeiro semestre deste ano.
Este formato dos média dimensão gera hoje 46% das vendas do sector, segundo a Nielsen. E há ainda uma fatia de 17% vinda especificamente de lojas de desconto, como o Lidl (que tem uma quota de mercado de 9%) e o Minipreço (7,1%), que operam igualmente no formato de supermercados, ou seja, com lojas da dimensão inferior 2000 metros quadrados.
São estas quatro insígnias (Pingo Doce, Modelo, Lidl e Dia/Minipreço) que mais serão afetadas com a abertura dos hipermercados aos domingos e feriados à tarde. A ganhar ficam os hipermercados Continente da Sonae, que lideram o sector com uma quota de 16,7%, os Intermarché (9,8% do mercado) e Auchan (7,1% do mercado). A Sonae já prometeu criar mil novos empregos e a Auchan, 400.
Lei da concorrência em análise
Esta lei é aprovada oito dias após a Autoridade da Concorrência (AdC) ter apresentado um relatório em que atesta "um desequilíbrio negocial" entre retalhistas e fornecedores", salientado que os dois primeiros retalhistas detêm 45% do mercado e as nove grandes insígnias a operar detêm 85% do mercado. Todavia, o relatório afirmava que "nenhum destes retalhistas parece deter uma posição dominante no sentido legal e técnico do termo". Em resposta, as associações de produtores anunciaram a criação de um grupo de trabalho conjunto que tem em vista um entendimento com o governo para revisão da legislação do sector, com foco na lei da concorrência.
Estranho processo
Entretanto, o comércio tradicional, cuja protecção esteve na origem da lei criada há 14 anos, está contra a nova lei. É representado pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e tem o apoio dos partidos de esquerda (PCP e Bloco de Esquerda). Estes prometeram lutar contra a liberalização dos horários desde o momento em que a primeira versão do novo decreto-lei foi aprovada em Concelho de Ministros no passado dia 22 de Julho, num polémico contexto que gerou protestos por parte dos parceiros sociais. Na véspera, em sede de Cocertação Social, foi pedido ao ministro da economia que agendasse uma reunião sobre o tema dos horários, mas este não revelou que já tinha um diploma para aprovar em conselho de ministros na manhã seguinte.
A promulgação da nova lei por parte do Presidente da República também esteve envolta num certo secretismo. A Presidência da República não revelou as datas de entrada do diploma nos seus serviços impedindo que o sector soubesse, afinal, quando terminariam os 40 dias que o PR tinha para se pronunciar sobre a lei, vetando-a ou promulgando-a.
No passado dia 8 de Outubro, o Expresso contactou a Presidência do Conselho de Ministros para identificar essa data, mas foi informado que é matéria confidencial e remetido para o ministério proponente da lei, o único que poderia ter acesso à informação e que, neste caso, era o Ministério da Economia. Aí a informação a que o Expresso teve acesso foi que o diploma deu entrada na PR no dia 30 de Agosto, adiado devido aos períodos de férias. O prazo para o PR se pronunciar terminaria então no próximo dia 27.
Hoje, na lei publicada em Diário da República lê-se que o diploma foi promulgado dia 7 de Outubro pelo PR e referendado dia 11 de Outubro pelo Primeiro Ministro. Afinal, o PR já tinha promulgado a lei no dia anterior aos contactos oficiais do Expresso no sentido de apurar o estado do processo.