Para Paulo Branco, "esse filme faz-se acompanhar de um fascismo comum dentro de nossa sociedade. O mesmo fascismo que pretende denunciar. É um filme que se serve de um pretexto inadmissível na Suíça, mas que, ao mesmo tempo, não confronta jamais os carcereiros, mas são eles que, afinal de contas, executam a expulsão, que provoca a morte de um dos expulsos. O que eu acho intolerável. Eu responsabilizo completamente o cineasta-diretor por ter feito um filme fascista".
O filme, rodado numa prisão de requerentes de asilo e de sem-papéis destinados à expulsão, mostra o dia-a-dia à espera do momento de deixar a Suíça, num voo normal, se o estrangeiro aceita, ou num voo especial, fretado pelo governo suíço, se o estrangeiro rejeita ser expulso.
No voo especial, o estrangeiro expulso é tratado como um animal, amarrado de pés e mãos, sem se poder mexer, devendo fazer as suas próprias necessidades nas calças durante o tempo de duração do voo. Três pessoas, expulsas dessa maneira, morreram durante a expulsão.
O filme mostra dois casos mais flagrantes - um africano ameaçado de expulsão depois de viver mais de vinte anos na Suíça, embora perfeitamente integrado, com emprego e família, e um kosovar, com 14 anos de Suíça, igualmente com emprego e família, ambos sem qualquer problema com a polícia ou com a justiça suíças.
Nos sete meses que passou a filmar nessa prisão, Fernand Melgar, o cineasta, filho de imigrantes espanhóis, contou com a colaboração dos responsáveis da prisão que, segundo ele, tratavam bem os prisioneiros, mas que a expulsão não lhes competia, era coisa decidida por voto popular.
O filme vai ser exibido pelas autoridades suíças na África e no Kosovo, o que poderia ser equiparado a dissuadir as pessoas interessadas de se arriscarem à imigração clandestina. Na primeira entrevista com a imprensa, Fernand Melgar recusou a crítica relacionada com a hipocrisia dos carcereiros, argumentando que eram corretos ao contrário do que ocorria em outras prisões.
O produtor Paulo Branco demonstrou não ser dessa opinião. Mesmo porque o filme, mostrando a política neonazista da Suíça com relação aos imigrantes, insuflada pelo extremista Partido do Povo, é ambiguo, pois mostra ao mesmo tempo carcereiros amigos e aparentemente bons, o que dará boa consciência a muitos espectadores suíços.
Em síntese, Fernand Melgar, preocupado em mostrar a responsabilidade coletiva dos suíços que, por voto maioritário em referendo autorizam a execução de uma política racista de imigração, não percebeu que o sistema suíço vai servir-se do filme para dissuadir a emigração clandestina e confundir os suíços, como diria Hanna Arendt, com a "banalidade do mal".
Grande parte da imprensa suíça critica hoje o produtor Paulo Branco por não ter percebido a ambiguidade do filme, acusando o português de reagir ao modo da extrema-esquerda dos anos 60. O conhecido crítico de cinema Antoine Duplan, do jornal 'Le Temps' e do 'l´Hebdo', ardoroso defensor do filme 'Voo Especial' não viu as nuances e a recuperação do tema pelo filme, mas cita uma frase do dramaturgo Friedrich Durenmatt bem apropriada "a Suíça é uma grande prisão, e os suíços os seus próprios carcereiros".
É neste quadro de boa consciência, com bons carcereiros, que se deve também entender a campanha eleitoral lançada pelos neonazis do Partido do Povo, com um cartaz mostrando uma bandeira suíça pisada pelos invasores imigrantes e a proposta da ministra suíça da Justiça, socialista (!), segundo a qual os professores deveriam denunciar às autoridades os alunos sem papéis, medida igual à tomada pelo governo de Adolph Hitler, em 1935, contra os judeus.