A operação a Salazar e o acompanhamento subsequente, assegurado pelo Hospital da Cruz Vermelha, custaram 5,6 milhões de escudos - o que, nos termos de um coeficiente de atualização do INE, significariam, hoje em dia, mais de €1,556 milhões. Aquele valor consta do "Processo Clínico do Dr. A. O. Salazar", conservado no Hospital da Cruz Vermelha e a que o Expresso teve acesso.
O presidente do Conselho António de Oliveira Salazar foi internado no dia 6 de setembro de 1968, na sequência de um hematoma provocado pela famosa queda de uma cadeira de lona, ocorrida na manhã de 3 de agosto no Forte de Santo António do Estoril. Salazar foi operado de urgência na madrugada de dia 7.
Uma ditadura de 40 anos, 4 meses e 28 dias
Após uma rápida recuperação, e já autorizado pelos médicos a regressar à residência oficial, em São Bento, foi acometido por um grave acidente vascular cerebral (AVC), que o deixou em coma durante várias semanas, com respiração assistida por um ventilador. Declarado incapacitado, foi substituído nas suas funções por Marcello Caetano, a 27 de setembro.
Assim terminava um longo ciclo de 40 anos da vida do país. Franco Nogueira, o biógrafo do ditador, contou o tempo em que Portugal foi governado, "sem interrupção", por Salazar: "quarenta anos, quatro meses e vinte e oito dias".
Estrato de conta vitalício no Hospital da Cruz Vermelha
O fundador do Estado Novo permaneceu internado até 5 de fevereiro de 1969, data em que regressou a São Bento. Mas nunca deixou de ser assistido pelo hospital, que, a 6 de outubro de 1968, abriu um estrato de conta em seu nome e relativo ao internamento e cuidados prestados. Este estrato de conta manteve-se até á morte do ex-Presidente do Conselho, em 27 de julho de 1970, completam-se agora 40 anos. O último extrato, já posterior à morte, é de 25 de Agosto de 1970, no valor de 5,7 mil escudos, destinados a pagar a um dos vários cardiologista que acompanhou a fase final da vida de Salazar.
O detalhado processo clínico revela que todas as despesas foram asseguradas pelo Estado. Numa primeira fase, foi o Ministério da Economia que tudo pagou. O primeiro cheque, no montante de 500 mil escudos, foi passado em 25 de outubro de 1968 pelo secretário de Estado do Comércio, Fernando Alves Machado.
Cinco cheques do ministro da Economia, Corrêa d'Oliveira
Seguiram-se cinco cheques, emitidos mensalmente pelo ministro da Economia e enviados à administração do hospital num envelope, acompanhado de um cartão pessoal do ministro. O titular era José Gonçalo Corrêa d'Oliveira, que antes fora ministro adjunto do presidente do Conselho e que estivera envolvido no escândalo de prostituição conhecido como "Ballet Rose".
Ao todo, foram seis cheques provenientes do Ministério da Economia, num valor superior a 2,5 milhões de escudos (€692 mil). O contributo de valor mais elevado, de 771.055 escudos, foi emitido por Corrêa d'Oliveira a 16 de Novembro de 1968.
Um ofício "confidencial"
Já no final de 1968, o Conselho Administrativo da Cruz Vermelha Portuguesa transferiu para o hospital de que era proprietária um cheque de 1 milhão de escudos (€277 mil).
A acompanhá-lo vinha um ofício com a classificação de "confidencial", explicando que o cheque sobre o Banco Borges & Irmão fora emitido pelo Secretariado-Geral da Defesa Nacional - um departamento tutelado diretamente pelo ministro da Defesa Nacional.
Quatro milhões de escudos da Defesa Nacional
Em Maio de 1969, a administração do hospital oficiou à Direção-Geral da Contabilidade Pública, para fazer o ponto da situação sobre o "movimento que ocasionou a operação e internamento nesta Casa de Saúde" de Salazar. Nessa altura, as despesas atingiam já quase os três milhões de escudos, pagas devido às seis tranches do Ministério da Economia e ao subsídio da Defesa Nacional, endossado pela Cruz Vermelha Portuguesa.
Em Setembro de 1969, transcorrido um ano sobre a cirurgia, o Secretariado-Geral da Defesa Nacional, dependente do ministro general Sá Viana Rebelo, transferiu para a Cruz Vermelha Portuguesa uma verba de 4 milhões de escudos (€1,11 milhões). O objetivo era, designadamente, ressarcir o Ministério da Economia pelas despesas efetuadas com a operação e internamento de Salazar - o que foi concretizado em janeiro de 1970.