ARQUIVO Second Life: O jogo da vida

Mundos virtuais criam amizades

A experiência da Comunidade 3D em Second Life, organizada pela Universidade de Aveiro revelou-se não só como uma ferramenta educativa mas também como uma plataforma de criação de amizades.

O espaço da Universidade de Aveiro acolheu os alunos participantes no projecto Comunidade 3D

A descoberta de Second Life faz-se hoje muito a partir das universidades, onde a exploração sistematizada e metódica do mundo virtual revela o potencial incontornável da ferramenta como plataforma educativa. O projecto Comunidade 3D reflecte isso mesmo. Mas em paralelo com a investigação realizada, os participantes descobriram interesses comuns e relacionamentos que se estenderam para lá do âmbito do projecto. Essa é uma das mais-valias da experiência e um sinal evidente de que os mundos virtuais permitem alargar horizontes.

A Universidade de Aveiro tem já um historial no interior de Second Life, assim como no seu relacionamento com a Internet em termos globais  - e é bom não esquecer que SL é tão só uma face nova da Internet - pelo que não admira que bem cedo tenha passado a uma fase mais interventiva de utilização do mundo virtual.

De facto, ao longo do ano lectivo de 2006/2007, num percurso de investigação dedicado à exploração das potencialidades das novas tecnologias de comunicação aplicadas em contexto educativo, e no âmbito da disciplina de Ambientes de Gestão de Aprendizagem do Mestrado em Multimédia em Educação da Universidade de Aveiro, foram realizadas as primeiras experiências no Second Life.

Os primeiros passos

Nessa fase inicial realizavam-se encontros semanais entre professores e alunos cujo objectivo principal era lançar a discussão sobre um tópico relacionado com as questões de investigação mencionadas anteriormente. Embora muitos pontos fossem possíveis de destacar, dessas primeiras interacções destacaram-se dois aspectos fundamentais: a informalidade na comunicação que levava a uma participação activa por parte da maioria dos presentes e uma vontade muito grande de voltar semana após semana, muito para além do fim da disciplina.

A impressão geral, nessas primeiras explorações, deixou bem clara a ideia de que apesar da separação física as pessoas acabavam por criar laços, levando a que uma parte do grupo inicial de participantes tenha mantido um contacto regular mesmo após finalizado o projecto que os uniu, formando uma pequena comunidade, alargada também a pessoas que entretanto foram surgindo e participando nos encontros agendados.

A noção dessa realidade suscitou a curiosidade pela realização de uma investigação mais pormenorizada do sucedido. Para quem estuda essencialmente formas de conseguir optimizar o desenvolvimento de comunidades de aprendizagem em contextos de e-Learning ou b-Learning, os resultados empurravam em definitivo para a vontade/necessidade de investigar o potencial do ambiente SL em contextos formais de aprendizagem.

Uma tarefa difícil

Ao longo de algumas semanas os alunos conceberam os projectos, mas descobriram que virtualmente também se criam amizades

O desafio parecia interessante para os alunos da disciplina de Tecnologias da Comunicação em Educação, inserida no plano de estudos do Mestrado e CFE em Multimédia em Educação, da Universidade de Aveiro. Os docentes Carlos Santos, Olga Cação e Isabel Barbosa lançaram o repto aos alunos: a dinamização de uma comunidade, orientada para a investigação de Ambientes Virtuais 3D em Educação.

Após reflexão e estruturação conjunta do projecto a desenvolver, a comunidade decidiu alicerçar o trabalho de acordo com quatro áreas: Eventos: exploração e dinamização dos ambientes virtuais 3D, concretamente do Second Life, em contextos educativos; Espaço: construção, na Ilha da Universidade de Aveiro existente no Second Life, de um espaço inovador aberto a outras comunidades e dinamizador de aprendizagens; Relação aluno-professor: estudo do perfil do docente e do discente no seio de um ambiente virtual tridimensional, da tipologia de relações e interacções estabelecidas neste ambiente e das vantagens/desvantagens deste em termos educacionais; Didáctica: estudo e fundamentação de possíveis estratégias de operacionalização didáctica, no Second Life, de acordo com o trabalho desenvolvido ao nível dos Eventos e do Espaço, nunca descurando a Relação aluno-professor.

Pretendia-se obter como resultado, um documento, em suporte electrónico, um wikibook, desenvolvido por um conjunto de 17 alunos, em cerca de três semanas. A tarefa não se adivinhava fácil. Embora o tema fosse do agrado dos intervenientes, a preocupação que prevalecia era a de conjugar e gerir o trabalho de todos os alunos.

Resultados na Internet   Os resultados estão reunidos num "wikibook" sobre Ambientes Virtuais 3D em contextos educativos, que pode ser consultado na Internet, no endereço http://wikimmed.blogs.ca.ua.pt/index.php/Comunidade_3D, e que traça balizas para todos aqueles que pretendam realizar experiências semelhantes em Second Life. Assim já não necessitam de partir às cegas, porque algum trabalho pioneiro já foi realizado, tornando mais fácil dar os primeiros passos.

Estabelecidas as regras do trabalho e definidas as premissas, criaram-se as condições logísticas (terreno e algumas centenas de Linden dólares) para que a comunidade tivesse a possibilidade de construir o seu próprio espaço dentro do SL e o dinamizasse de acordo com as necessidades da própria comunidade. No ambiente virtual Second Life, disponibilizou-se um espaço, na ilha da Universidade de Aveiro - o espaço MMEd, onde a comunidade de alunos se reuniu, discutiu ideias, planeou estratégias, construiu os seus projectos e levou a cabo os eventos planificados.

Apesar de um desconhecimento inicial quase total de Second Life por parte dos membros da comunidade, referiram ao Expresso os responsáveis pelo projecto, "foi muito interessante apreciar a forma como muitos se tornaram residentes do SL e, num espaço de apenas duas semanas e meia, conseguiram dominar as principais técnicas de modelação no SL e dessa forma construir o seu espaço de modo a receber os encontros diários da comunidade. A interacção com alguns membros da comunidade portuguesa no SL (não só portuguesa mas foi a interacção mais relevante nessa altura) permitiu também a organização de algumas aulas dentro do espaço da comunidade e dessa forma testar, na prática, algumas das potencialidades do SL em contexto educativo."

Amizades virtuais

Foram criados espaços de reunião para os 17 alunos que participaram no projecto

Para os docentes da cadeira, "apesar de os resultados finais terem sido muito positivos em várias vertentes da investigação realizada" torna-se importante "destacar os laços de amizade que se criaram entre os elementos desse grupo de alunos e a forma como, após o final das disciplinas, a comunidade continua a existir, a dinamizar encontros no SL e a dinamizar o blog criado para a comunidade no contexto da disciplina." Aqueles responsáveis acham que apesar de "as pessoas envolvidas nessa comunidade serem uma parte essencial desse sucesso, as características de uma ambiente virtual 3D, neste estudo o Second Life, contribuíram também para o sucesso desta experiência."

Conscientes de que, actualmente, "os ambientes virtuais a três dimensões são encarados como poderosas ferramentas ao serviço da aprendizagem, muito embora apresentem um potencial educativo ainda pouco explorado" docentes e alunos participantes na experiência acham que "ambientes virtuais, como é o caso do Second Life são espaços que cativam pelo seu dinamismo, pela possibilidade de interacção e pelas oportunidades que abrem na sua exploração. Embora mantendo as mesmas características de outras tecnologias mais antigas - comunicação baseada em texto e páginas Web - este tipo de ambientes virtuais adicionam a capacidade de visualização de imagens a três dimensões dos outros utilizadores com quem se interage."

A visão do aluno

Para Carlos Lima, aluno do Mestrado de Multimédia em Educação, "a experiência de um trabalho colaborativo em ambiente virtual 3D surgiu como um enorme desafio pessoal e de articulação com mais 16 colegas. A comunicação e experiência resultaram na criação de um espaço pensado para o processo de ensino-aprendizagem, quer na sua vertente comunicacional, quer na potenciação de uma nova articulação entre o professor e os alunos, no sentido clássico do termo. O desafio de criação de uma comunidade ultrapassou o tempo da disciplina e ainda hoje, esta comunidade continua a realizar encontros temáticos e a promover trabalhos reflexivos sobre a aprendizagem em ambientes 3D."

A experiência da Universidade de Aveiro vem permitir abrir novas opções educativas mesmo nas escolas do Ensino Secundário. Segundo Carlos Lima, "esta experiência permitiu o desenvolvimento de actividades complementares que passam pela criação de um curso de formação de professores, acreditado pelas entidades competentes para o efeito, assim como, permitem a implementação de novas práticas nas escolas do ensino Secundário, no que diz respeito à forma como a aprendizagem é realizada, por exemplo, em sala de aula. Existem já alguns projectos a decorrer que envolvem a articulação entre a modelação, reconstrução e ambientes em 3D existentes, por exemplo, no Second Life, e que são transferidos para contexto de sala de aula através da projecção e/ou interacção através dos quadros interactivos. A exploração desta estratégia tem resultado do ponto de vista da aprendizagem e da motivação dos alunos para o estudo e conhecimento de algumas realidades e/ou conceitos.

Menores de 18 anos

A introdução do Second Life em projectos do Ensino Secundário coloca, contudo, um problema: a idade mínima de acesso a Second Life é de 18 anos. Carlos Lima salienta que a questão se colocou, mas lembra que "por um lado, os alunos acedem livremente ao SL na versão Teen (o Second Life tem duas versões, uma delas para menores de 18 anos). Por outro, em sala de aula, por experiência, o ambiente virtual pode, por exemplo ser usado em complementaridade com o quadro interactivo e novamente, por exemplo, no caso do ensino da História, levar os alunos a explorar ilhas, como ilhas da Idade Média ou Grécia antiga, onde são orientados e guiados pelo professor. No meu caso, o envolvimento e autorização dos encarregados de educação é fundamental. Há, por exemplo, pais que acompanham os filhos na exploração no SL."

Existem mais exemplos. A professora Adelina Moura, de Braga, também envolvida com o projecto, diz que "para os alunos com menos de 18 anos fui eu que criei os avatares como se fossem para mim, com contas diferentes, e na sala de aula permitia que os alunos os usassem mas sem nunca lhes revelar a password, pois eram apenas para serem usados para a experiência em contexto de sala de aula." Este é, segundo Carlos Lima, um dos exemplos de como a limitação da idade não se aplica como forma de exclusão de uma ferramenta cujas potencialidade são imensas no âmbito da educação. Porque para o bem e para o mal, é no Second Life versão adulta que surgem as recriações mais interessantes, em termos educativos.

Mundos virtuais salvam planeta

Christian Renaud, responsável da Cisco Systems pelos ambientes virtuais em rede, prometeu em Outubro passado reduzir as suas viagens de avião, trocando-as, sempre que possível, por reuniões virtuais. Um senador americano fez o mesmo há alguns meses. É uma tendência que pode contribuir para reduzir a poluição planetária. Agora Renaud volta ao tema sugerindo outras ferramentas que permitem explorar a ideia. Leia mais em http://blogs.cisco.com/virtualworlds/2008/01/no_more_meeting_travel_1.html

Hotel treina pessoal

A cadeia de hotéis Hilton Garden Inn apresentou um jogo, Ultimate Team Play, com que pretende treinar os seus funcionários. Criado pela Virtual Heroes Inc. Uma empresa especializada em simulações (e que criou entre outros o jogo America's Army), o programa coloca os funcionários numa representação virtual do Hilton Garden Inn e ante clientes que solicitam a resolução de problemas. A capacidade de resolver atempadamente e de forma satisfatória cada problema contribui para a pontuação SALT (Satisfaction and Loyalty Tracking) usada na vida real e no jogo vai ser usada para que os funcionários percebam como as suas acções afectam o nível de satisfação dos hóspedes. No futuro a cadeia pretende usar um sistema semelhante para avaliar as capacidades de candidatos a emprego.

Balanço mensal de SL

No trigésimo dia do mês de Janeiro de 2008 21,180 novos inscritos elevaram para 12,208,414 avatares a população residente de Second Life. No mesmo dia a média de presenças no mundo virtual foi de 44,192. Como se uma pequena cidade pulsasse todo o dia através da Internet.

O blog do Geta

O blog do Get A Second Life (não se deixe enganar, o nome esconde um grupo de portugueses) tem uma pitada de tudo. Informação sobre o Windlight, entrevistas com avatares, informação geral. É, como sugere o subtítulo na página, um blog português sobre a realidade virtual (?) do Second Life.. Bem escrito e interessante, está em http://getasecondlife.net.