ARQUIVO Regicídio

Aquilio, a banda e outras polémicas

Enquanto alguns monárquicos chamam assassino a Aquilino, há quem faça romagens aos túmulos dos regicidas. O Exército afasta-se da efeméride.

Mário Robalo

No seu diário de 21 de Maio de 1908, escrito três meses depois do assassinato de seu pai, D. Carlos, e de D. Luís Filipe, seu irmão, D. Manuel II nunca responsabiliza, directa ou indirectamente, Aquilino Ribeiro por aquele "horroroso atentado". O nome do escritor nunca surge entre os diversos conspiradores, republicanos e monárquicos dissidentes, citados nas "notas absolutamente íntimas" do último monarca português.

Mas hoje, um século depois, a Aliança Internacional Monárquica Portuguesa - promotora de um conjunto de iniciativas no centenário do regicídio - sustenta a acusação de regicida ao escritor. Esta colagem de Aquilino ao regicídio já fora intentada por movimentos monárquicos logo após a aprovação pela Assembleia da República da sua trasladação para o Panteão Nacional, em Setembro de 2007. Numa petição enviada ao presidente da Assembleia da República, solicitava-se a Jaime Gama que deveria atender ao facto "historicamente provado" de Aquilino Ribeiro "ter participado na conspiração para o assassinato do Chefe de Estado de Portugal". Um dos subscritores, Mendo Castro Henriques, acaba de publicar "Dossier Regicídio - o processo desaparecido", no qual volta a incriminar, sem provas documentais, o autor de "Quando os lobos uivam" como um dos autores do assassínio de D. Carlos e do príncipe herdeiro...

Aquilino, de facto, havia sido detido a 17 de Novembro de 1907, por envolvimento no movimento revolucionário, em consequência de um rebentamento de engenhos de fabrico artesanal na sua casa em Lisboa, na Rua do Carrião - episódio que ele descreve em pormenor no seu livro "Um escritor confessa-se", publicado postumamente em 1974 pela Bertrand que agora o reedita em Fevereiro. É, aliás, naquele livro autobiográfico que Aquilino assume a sua simpatia pela causa republicana que o leva a evadir-se da prisão e a esconder-se na Rua Nova do Almada, não longe do Terreiro do Paço, e onde se encontrava no dia do regicídio.

Naquele livro autobiográfico, Aquilino revela a conversa que tivera, no próprio 1 de Fevereiro, com Alfredo da Costa (companheiro de Manuel Buíça na acção armada contra o rei), na qual lhe o militante anarquista lhe dá conta que havia mobilizado um conjunto de cinco homens para aniquilar João Franco, o presidente do Governo... e não o rei. Mas o escritor "guardava um pouco de cepticismo sobre aquele empreendimento". E quando, horas depois de ver pela vidraça do quarto clandestino multiplicarem-se "golfadas de gente" pelas ruas, lhe entra porta um redactor do "Vanguarda", Tavares de Melo, a anunciar: "Mataram o rei e não se sabe quem mais da família real", Aquilino respondeu: "Mataram o rei? Que grande desacerto!".  

Henrique Almeida, director dos "Cadernos Aquilinianos", do Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, em Viseu, reconhece que o escritor não se furtou a denunciar "as fragilidades e abusos do poder régio", desde que se começou a integrar, aos 22 anos, "na ala mais revolucionária do partido republicano". Por outro lado este investigador da Universidade Católica não menospreza os argumentos monárquicos que também fundamentam as acusações no romance "Lápides partidas" (Bertrand Editora), considerado um texto autobiográfico. Nele também se relata o atentado contra D. Carlos. E é o facto de a figura de Libório Barradas, a quem se atribui representar Aquilino, afirmar: "...eu ajudei a matar o rei..." que leva Mendo Castro Henriques e os monárquicos a sustentarem que Aquilino foi um dos que atirou contra D. Carlos e a indignarem-se com a sua presença no Panteão Nacional. Henrique Almeida, porém, refere que há que ter em conta o "registo ficcional" daquele texto, e comenta: "Os que pretendem implicar Aquilino no regicídio teriam de associar a esse acto umas largas dezenas de conspiradores que comungavam da disposição de derrubar o regime monárquico".

Versão integral do artigo publicado na edição do Expresso de 2 de Fevereiro de 2008, 1º caderno, página 24.