ARQUIVO Regicídio

A ausência dos militares

O ministro da Defesa não deu ordens expressas, alertou. Mas a tropa não participa nas homenagens a D. Carlos e ao herdeiro da coroa. Tudo isto entre evocações da família real e dos regicidas, zangas entre monárquicos e um sinal de paz da maçonaria.

Nair Alexandra

O exército não saiu à rua. Os militares não participaram nas homenagens a D. Carlos e a D. Luís Filipe promovidas pela Comissão D. Carlos 100 Anos. Ouvida pelo Expresso, Inês Dentinho, membro do respectivo grupo de trabalho, diz "que esta é uma questão política e a comissão não tem propósitos políticos: tratava-se de uma cerimónia religiosa e militar".

Estava previsto, para o dia 31 de Janeiro, um concerto pelo Grupo Música de Câmara da Banda Sinfónica do Exército e, no dia 1, data exacta do Regicídio, a participação do Colégio Militar, dos Regimento de Lanceiros e da Artilharia Anti-aérea n.º 1, no Terreiro do Paço, o local dos acontecimentos.

Quando isto se soube, a comissão parlamentar de Defesa pediu explicações ao respectivo ministério. Segundo fonte ministerial, a 8 de Janeiro o próprio Nuno Severiano Teixeira requereu informações ao exército "sobre a natureza deste evento". A resposta dos militares chegou a 11. A 17 o ministro alertou para "a necessidade de as Forças Armadas Portuguesas manterem sempre um critério rigoroso", distinguindo actividades de carácter histórico, científico e cultural das que lhe estão vedadas, como "as que possam revestir natureza política". Entretanto, a 24 de Janeiro, o Bloco de Esquerda quis também que a presença dos militares fosse esclarecida.

No final da semana passada "o Exército decidiu cancelar todas as participações", afirmou ao Expresso o seu porta-voz, o tenente-coronel Perdigão, sem adiantar pormenores. Inês Dentinho afirma, por seu lado: "O rei foi um chefe de Estado e seria natural que o Estado participasse". A Comissão tem o patrocínio da Fundação D. Manuel II.

O argumento referido é também apresentado pelo presidente da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar (AAACM), general Garcia Leandro: "O rei D. Carlos foi chefe de Estado e, tal como o Príncipe Luís Filipe, foi também comandante honorário de batalhão do colégio". Citado pela Lusa, Garcia Leandro afirma, ainda, "não compreender muito bem" as reservas do governo sobre participação das Forças Armadas nestas cerimónias. "Há aqui duas posições diferentes", esclarece. O general distingue a posição de obediência à decisão assumida pela hierarquia militar e a da associação que representa, e a (AAACM) é independente.

Por isso, esta "estará representada em todos os actos para que foi convidada", sublinhou o antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército, referindo-se às cerimónias de homenagem às personagens régias mortas a 1 de Fevereiro.

A um século do Regicídio, o acto em si e a monarquia continuam a dividir opiniões. Algumas organizações mobilizaram-se para homenagear aos regicidas, Manuel Buíça e Alfredo Costa, com participações de personalidades como o major Mário Tomé, Fernando Caeiros, presidente da câmara de Castro Verde (localidade de onde era natural Alfredo Costa) e o fotógrafo Inácio Ludgero. Entretanto, há dissenções entre os monárquicos: a 31 de Janeiro foi lançado, no Palácio da Ajuda, o livro "O Usurpador", de Nuno da Câmara Pereira (conhecido também enquanto monárquico). A obra contesta, entre outras coisas, os direitos sucessórios de D. Duarte de Bragança.

Mas existem, ainda, sinais de paz: Em declarações à Lusa, António Arnaut, antigo grão-mestre da Maçonaria Portuguesa, recusou qualquer envolvimento da Maçonaria no atentado de 1 de Fevereiro e afirmou, ainda, que a visita de D. Duarte ao Palácio Maçónico, em 2004, significou uma "reconciliação" entre a Maçonaria e a Casa de Bragança. Fora das querelas encontra-se, ainda, o actual presidente da República. Cavaco Silva compareceu à inauguração da estátua de D. Carlos pela câmara de Cascais, decorrida nesta sexta, 1 de Fevereiro. Conforme o Expresso noticiou, a homenagem visa o rei enquanto artista e oceanógrafo profundamente ligado ao concelho.