ARQUIVO Narcotráfico na Guiné-Bissau

Guiné-Bissau vive um "ciclo vicioso"

"Não vamos nem podemos imaginar que todos os guineenses estão envolvidos no tráfico de droga", afirmou João Gomes Cravinho na véspera da Conferência Internacional sobre o Narcotráfico na Guiné-Bissau, que decorre quarta-feira em Lisboa.

José Sousa Dias, da Agência Lusa

A Guiné-Bissau vive um "ciclo vicioso" no que diz respeito ao combate ao tráfico de droga, pois já tem um plano para enfrentar o narcotráfico, mas precisa de financiá-lo para que seja eficaz.

As palavras são do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação português, João Gomes Cravinho, que, numa entrevista à Lusa, comentou o essencial da Conferência Internacional sobre o Narcotráfico na Guiné-Bissau, que decorre quarta-feira em Lisboa, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia.

"Portugal acompanha com grande preocupação a questão do tráfico de droga na Guiné-Bissau, onde existe uma emergência estrutural, em que, por um lado, há vontade e empenho político local, e, por outro, a vontade da comunidade internacional de lutar contra algo que também prejudica terceiros, inclusive o nosso país", sublinhou Gomes Cravinho.

Sem adiantar o montante com que Lisboa contribuirá para o fundo de 19 milhões de dólares (12,8 milhões de euros) previsto no plano a apresentar na conferência, pois o montante será divulgado no encontro, Gomes Cravinho garantiu, contudo, que será uma verba "significativa", pois há indícios de que a droga oriunda da Guiné-Bissau está a "aumentar significativamente" em Portugal.

Gomes Cravinho adiantou acreditar que o montante em causa será "facilmente aceitável", uma vez que, no seu entender, é "realista" face ao que está em jogo, razão pela qual afirmou crer que a credibilidade de Portugal, no pós-cimeira UE/África, em 8 e 9 de Dezembro últimos, trará "confiança" aos parceiros e doadores.

Questionado sobre a fraca confiança que a comunidade internacional deposita no governo guineense, nomeadamente no passado ligado a actos de corrupção, Gomes Cravinho lembrou que o plano a discutir em Lisboa tem também por objectivo lutar por essa confiança, insistindo que, para tal, será necessário apoiar financeiramente o projecto e haver uma concertação entre todos os envolvidos.

"Vive-se num ciclo vicioso. Há um plano e é preciso financiá-lo para que o país tenha estabilidade e crie os mecanismos de confiança para que a comunidade internacional possa ajudar a combater o narcotráfico e moralizar a política. É preciso estancar essas situações" [narcotráfico e má governação], observou.

"Não vamos nem podemos imaginar que todos os guineenses estão envolvidos no tráfico de droga. Vamos é apoiar quem está empenhado em lutar contra isso e este governo (liderado por Martinho N'Dafa Cabi) está", afirmou Gomes Cravinho.

No seu entender, é necessário apoiar o combate à criminalidade, reforçar o controlo dos fluxos migratórios e financeiros, adiantando que o problema tem de ser visto à escala regional, da África Ocidental, uma vez que não se centra apenas na Guiné-Bissau.

Por essa razão, em Fevereiro ou Março de 2008, será organizada num país dessa região uma conferência em que a questão será abordada de maneira mais vasta, tendo em conta que os problemas devem também centrar-se nos pontos de partida da droga, oriunda sobretudo da América Latina, e nos de destino, maioritariamente na Europa.

"Temos de ter a noção que a Guiné-Bissau é apenas um pequeno mercado, uma vez que não tem poder de compra para a droga. Mas temos de ajudar o governo guineense a reganhar o controlo de todo o seu território e a pôr cobro à vulnerabilidade com que se tem debatido", frisou o governante português.

"Mas há ainda bastante trabalho a fazer e, na reunião de Lisboa, já estarão especialistas de outros países, nomeadamente dos Estados Unidos, para ajudar a trabalhar nesse sentido, prevendo-se que, no próximo encontro, a participação seja ainda mais alargada", acrescentou.

Sobre a imigração ilegal, Gomes Cravinho salientou as "elevadas pressões" que fomentam os fluxos migratórios existentes em África, sublinhando que a imigração clandestina continuará enquanto houver desemprego e más condições de vida nos países mais desfavorecidos.

"O tráfico, seja ele do que for, é sempre lesivo para os países que estão envolvidos. Leva à corrosão das instituições e, no caso da Guiné-Bissau, as ilhas do arquipélago dos Bijagós (80, na maioria desabitadas), os fracos recursos humanos e financeiros e as frágeis instituições são factores a ter em conta", resumiu.