A Guiné-Bissau está à beira do "colapso", com o Estado incapaz de assegurar a soberania do território face ao narcotráfico e ao crime organizado, alertou esta quarta-feira em Lisboa um alto responsável das Nações Unidas.
Antonio Maria Costa, director-executivo do Gabinete das Nações Unidas para o Combate às Drogas e Crime (UNODC), que falava na abertura da Conferência Internacional sobre o Narcotráfico na Guiné-Bissau, afirmou que, depois de muitos anos de incúria, o país lusófono tornou-se num "hub" (pólo) na rota das drogas entre os países produtores na América do Sul e os mercados da Europa Ocidental.
"A Guiné-Bissau foi esquecida durante muito tempo pela comunidade internacional, que só agora começou a dar atenção" aos problemas de criminalidade organizada que o país vive, afirmou Costa.
"Hoje, a Guiné-Bissau está literalmente cercada [pelo crime organizado], não tenhamos ilusões. O Estado pode colapsar", disse o responsável das UNODC, organismo que prestou assistência técnica à elaboração do Plano Operacional para o combate ao narcotráfico no país, recentemente apresentado.
Costa referiu que há oficiais das forças armadas suspeitos de colaboração "e até de envolvimento no tráfico de droga".
Esta situação está a causar "desconfiança" em relação aos militares, situação que "tem sido confirmada" por alguns membros de gabinete ministeriais no país.
Para Costa, as razões para os traficantes terem escolhido a Guiné-Bissau são a interdição das rotas tradicionais de tráfico, a localização "conveniente" na África Ocidental e, "principalmente", a incapacidade das autoridades em enfrentar o crime organizado.
O narcotráfico, "é um assunto de desenvolvimento, mas também de segurança, que pode pôr em causa a estabilidade da região", disse.
Segundo Costa, actualmente mais de uma tonelada de cocaína é apreendida por mês nos países da África Ocidental, quando até há poucos anos não havia sequer registo de apreensões.
Além disso, é sintomático que as apreensões tenham sido feitas na sua quase totalidade em águas internacionais e por forças navais europeias, e não pelas autoridades locais, que demonstram não estarem equipadas para patrulhar as suas águas ou o seu espaço aéreo.
Actualmente, estima-se que um quarto da cocaína consumida na Europa transita pela África Ocidental, produto com um valor comercial de perto de dois mil milhões de dólares (cerca de 1,4 mil milhões de euros), mas que nas ruas de Paris ou Londres pode valer até 10 vezes mais - 20 mil milhões de dólares (cerca de 7 mil milhões de euros).
Isto, referiu, quando o rendimento nacional, no caso da Guiné-Bissau, ronda os 300 milhões de dólares anuais.
"As grandes somas do dinheiro dos traficantes podem pôr em causa o processo político. África Ocidental não merece outra tragédia, depois da pobreza e das pandemias. A Guiné-Bissau não deve sofrer devido aos vícios europeus ", disse Costa.
Relatando as conclusões se uma visita recente à Guiné-Bissau, Costa afirmou que faltam meios marítimos, aéreos e até carros-patrulha; a polícia não tem computadores e muitas vezes nem telefones - "mesmo que os tivesse, na maior parte do tempo faltaria a electricidade para pô-los a funcionar" .
"Se e quando [a polícia] capturar algum criminoso, não tem onde detê-lo", porque falta uma prisão com as necessárias condições de segurança, afirmou.
Por tudo isto, afirmou, a Guiné-Bissau "precisa de ajuda da comunidade internacional, a longo prazo", e o governo, em particular, deve ser auxiliado a "recuperar a soberania e controlar as fronteiras"
"Estamos a começar do `ground zero´ [ponto zero]" no Plano Operacional, que prevê um investimento de 19 milhões de dólares (13,194 milhões de euros) para combate e prevenção ao tráfico de droga e promoção da lei e administração judicial, referiu.
Este investimento, afirmou, "é modesto" quando comparado com o valor da droga traficada actualmente, mas é "um primeiro passo crítico para salvar a Guiné-Bissau do efeito desestabilizador" do crime em toda a região.