ARQUIVO Narcotráfico na Guiné-Bissau

Ex-primeiro-ministro comprometido

O processo do narcotráfico recorda o caso de comércio de armas que levou ao golpe de 1998.

Fernando Jorge Pereira

As investigações sobre o destino de 674 quilos de cocaína retirados da casa-forte do Tesouro Público, em 2006, podem conduzir a uma nova crise política na Guiné-Bissau, já que quatro ex-governantes, o actual procurador-geral da República e um punhado de altos funcionários do Ministério das Finanças e da Polícia Judiciária estão referenciados num relatório que denuncia as irregularidades verificadas no armazenamento da cocaína capturada pela Polícia Judiciária (PJ), em Setembro de 2006, no porto de Bissau.

Até agora, apenas o director-geral e o director de Investigação da PJ foram demitidos dos seus cargos, naquilo que já é visto como a primeira vaga de sanções, que poderão alastrar a outros serviços e dirigentes do Estado.

O comunicado da sessão extraordinária do Conselho de Ministros de 9 de Junho último, que analisou os resultados das investigações de uma Comissão Interministerial criada para averiguar o paradeiro da cocaína, considera que a "situação é realmente grave" e susceptível de "comprometer a imagem e a credibilidade" do país perante a comunidade internacional.

De acordo com o comunicado, o Executivo refere que observou a incineração de alguns carregamentos, mas que também se apercebeu de "queimas suspeitas, efectuadas sem a presença de agentes da autoridade, em condições que deixaram perceber, claramente, tratar-se de pura encenação". Uma questão crucial, mas que o comunicado não esclarece, é quem autorizou que a cocaína fosse retirada do cofre-forte da PJ, onde inicialmente se encontrava, levada para o Tesouro e depois destruída.

Apesar do seu teor confidencial, sabe-se que o relatório põe em causa a actuação de dois ministros e dois secretários de Estado do Governo de iniciativa presidencial, derrubado por uma moção de censura em Março último, e compromete seriamente o então primeiro-ministro, Aristides Gomes, um homem de confiança do Presidente da República.

O inquérito começou em finais de Maio, após o ex-titular das Finanças, o empresário Victor 'Nado' Mandinga, ter dito, ao ser questionado na cerimónia de transferência de pasta, que o paradeiro da cocaína era "uma questão de Estado". Alguns dias depois, o mesmo afirmou que a droga fora queimada.

A este respeito, um conhecido intelectual guineense, João José 'Huco' Monteiro, foi mais explícito. Afirmou que "o Estado é que tomou aquela cocaína" e, em nome da razão de Estado, discorda da exposição mediática deste caso, com ramificações inevitáveis na mais alta esfera político-militar.

Tal como um bom número de seus compatriotas, 'Huco' Monteiro receia as consequências desta lavagem de roupa suja na cúpula do poder. O relatório sobre o narcotráfico lembra aos guineenses o relatório sobre o tráfico de armas para a rebelião do Casamança, em 1998, que resultou numa guerra civil.

Contudo, o novo primeiro-ministro, Martinho Ndafa Cabi, há menos de três meses no cargo, fez do combate sem tréguas ao narcotráfico uma das prioridades da sua equipa. Por isso, o comunicado do dia 9 é taxativo: "O Governo não pode pactuar com semelhante situação. É imperioso agir rapidamente, para que possam ser adoptadas medidas".

E aos que duvidam da sua capacidade para enfrentar o narcotráfico, Ndafa Cabi lembra que na luta contra este flagelo o seu gabinete "terá todo o apoio da comunidade internacional".

Uma recente missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) prometeu ajudar na mobilização de financiamento urgente e na libertação de fundos do Programa Pós-Conflito para a reabilitação de infra-estruturas. Mas esta ajuda tem um preço, isto é, que o inquérito sobre o paradeiro dos 674 quilos seja levado até ao fim. E que os dois militares apanhados em Abril último numa viatura com mais de 600 quilos de cocaína também sejam julgados.

A tarefa não é fácil, porque as reacções serão fortes. Uma fonte governamental garante que o primeiro-ministro está determinado a levar o inquérito até às últimas consequências, porque, se ceder, a alternativa será a "tomada do Estado pelo dinheiro do narcotráfico".

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