No novo filme de Gabriel Mascaro, cineasta do Recife que realizou “Ventos de Agosto” e “Boi Néon”, estamos num Brasil distópico, numa sociedade que já se tornou, de facto, totalitária, embora o filme, com grande subtileza, não atire à cara do espectador essa informação. Mascaro prefere que a audiência descubra o terreno minado pelo insólito. Na zona amazónica em que o filme decorre, por exemplo, os talhos não abatem gado bovino, mas sim crocodilos. Quanto à população mais velha, é condecorada a partir dos 75 anos de idade pelo seu contributo à nação, com placa e coroa de louros na fachada de casa. Na verdade, os idosos preparam-se para perder todos os direitos da vida ativa. São proibidos de trabalhar e deixam de poder movimentar dinheiro sem autorização de filhos ou netos. O Estado promete recolhê-los numa colónia com todas as mordomias, espaço que o filme nunca mostra mas sugere tratar-se de um requintado campo de concentração. Quase ninguém falou na Berlinale sobre este aspecto do filme de Mascaro mas a aberrante ideia do extermínio da política das reformas (e da estrutura da Segurança Social) para revigorar contas públicas no imediato – “O Último Azul” toca neste assunto indiretamente – continua a ser na América Latina uma equação levantada por governos recentes de extrema-direita.
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Festival de Berlim: enquanto Gabriel Mascaro contorna a ordem e o progresso, Jessica Chastain dá a cara pela má consciência americana
Uma mulher de 77 anos tenta escapar de um Brasil distópico em “O Último Azul”. Já “Dreams” é uma parábola da relação de forças entre os Estados Unidos e o México, o país dominante face ao país dominado. Realiza o mexicano Michel Franco