Em fevereiro de 2021, foi somente por escrito que José Mattoso aceitou dar uma entrevista ao Expresso. Sofria de Parkinson já avançado e por isso o gosto de a conceder veio acompanhado pela afirmação de que, talvez, fosse a última. Nessa altura, a pandemia que assolava o mundo era o tema central das conversas – a guerra na Ucrânia só começaria um ano depois.
O historiador, na altura com 88 anos, tinha lançado meses antes um livro pela Temas e Debates, a editora onde tem a obra publicada. Chamava-se “A História Contemplativa” (Temas e Debates) e era uma coleção de ensaios escritos entre 1996 e 2013. Neles, refletia sobre o ofício e a metodologia do historiador, além das temáticas que desde sempre lhe interessaram. Assim, ao mesmo tempo que explicava como o seu trabalho equivale ao “movimento da Humanidade sujeita ao tempo”, por sua vez desdobrado em “História vivida” e “História escrita” – “o que o Homem fez desapareceu com o tempo, mas foi re-representado, isto é, ‘tornado presente’ pelo que contou, pelo que escreveu e pelo que criou” -, debruçava-se sobre “a religião dos alentejanos”, “a leitura e a escrita na cultura monástica medieval”, “Portugal no reino de Leão” ou o que é ser um medievalista (como ele). Uma ânsia de definir e definir-se percorre o livro, tão atual ainda que os textos pertençam a essa saga escrita que com o tempo moldamos e nos molda.
José Mattoso, que morreu este domingo vítima de Parkinson, escolheu a História por ser uma narrativa, a nossa. A que contamos sobre nós mesmos. Antes disso, tinha optado pela vida monástica, passando 20 anos na Abadia de Singeverga, em Santo Tirso. Mas essas duas vias não estavam desligadas: “Não sou historiador por opção profissional, mas para ser fiel à vocação monástica, na medida das minhas capacidades”, disse ao Expresso há dois anos. Diferenças entre os seus ideias e a prática – entre a vida ativa de um monge e a contemplação que ele procurava para si - levaram-no a sair de Singeverga, passando a alternar períodos de reclusão voluntária em aldeias ou povoados isolados com outros de docência e atarefada investigação.