A nova temporada do Teatro Nacional São Carlos, que arranca em 22 de setembro e termina a 16 de junho, foi anunciada nesta quinta-feira e assegura novos caminhos de criação artística.
Com uma estimativa de gasto de €1,218 milhões para a temporada, dos quais 6,5% a 6,6 % serão retirados do orçamento de cerca de €21,5 milhões gerido pela Opart, valor inferior aos €23,4 milhões de 2017, o plano musical procura captar para a ópera vastas audiências, surgindo esse intuito como uma trave mestra do projeto do britânico Patrick Dickie, o homem que, desde 1 de setembro de 2016, ocupa o cargo de diretor artístico do TNSC para um mandato com duração de três anos.
"Desligando" do nosso único teatro lírico nacional (o São Carlos), o cordão umbilical das músicas clássica e erudita, outra das "Mecas" de Dickie é a de cativar espectadores mais inexperientes para novas salas com a OSP, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos e os solistas convidados a percorrerem os territórios do repertório sinfónico e da música de câmara. Aprofundar a parceria com o Centro Cultural de Belém e explorar outras com o Coliseu do Porto, o Teatro da Trindade, em Lisboa, o Teatro Joaquim Benite de Almada e o Centro Cultural das Caldas da Rainha, de forma a transportar a atuação da Orquestra Sinfónica Nacional para novos auditórios, fazendo sair a ópera da sua casa habitual, são formas propostas para combater o elitismo e universalizar a temporada.
Há 10 meses, em entrevista ao Expresso, publicada a 24 de setembro de 2017, Patrick Dickie referiu o propósito de construir uma temporada para o TNSC com sete óperas. A realidade da temporada anunciada nesta quinta-feira materializa-se com oito óperas em que se incluem quatro novas produções.
Com Verdi no Porto e Puccini em Lisboa, como abertura e fecho da temporada lírica teremos as chamadas óperas mais populares, as do 'mainstream'. O 'programa das festas' arranca com a co-produção levada ao Coliseu do Porto de “La Traviata” (dia 20 de outubro), retomando-se a conceituada encenação do italiano Pier Luigi Pizzi. Para o mês de junho (dias 7, 9, 11, 14 e 16), estão anunciadas cinco récitas de “La Bohème” que encerrarão a temporada. Na ocasião, a célebre ópera de Puccini será dirigida por Diego Matheuz, um jovem maestro da Venezuela, um dos miraculosos 'produtos' de 'El Sistema' de José António Abreu. Já não é a primeira vez que Matheuz dirige a OSP, tendo-se apresentado com estes músicos num concerto com obras de Mahler e John Adams.
A Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP) está convocada para 27 récitas de ópera e para 16 espetáculos sinfónicos. A aposta na criação artística com novidades cenográficas, no guarda-roupa e na encenação fica assegurada por quatro novas produções em que se evidenciam, à partida, os nomes de Olga Roriz e de Graham Vick. Em janeiro (dias 19, 21, 23, 25 e 27 ), Vick é convidado para a produção da versão francesa de “Alceste”, de C.W. Gluck, a ópera que representou um passo decisivo na reforma da ópera operada pelo compositor setecentista. O encenador britânico que tantos admiradores ganhou em Lisboa com a assinatura da encenação das óperas da tetralogia de Wagner e do “Werther” de Massenet, será secundado por Graeme Jenkins, o maestro que já dirigiu em Lisboa, entre outras, um par de obras de Britten (o “Requiem de Guerra” e o “Peter Grimes”) bem como o “Tristão e Isolda” de Wagner.
Dickie justifica o convite ao seu compatriota ressaltando "a capacidade que Vick adquiriu, através das suas encenações, de chegar às verdades emocionais". Em 2002, o maestro John Eliot Gardiner deu um extraordinário contributo para o 'Gluck revival' através da sua gravação com os instrumentistas do agrupamento English Baroque Soloists e com a cantora Anne Sofie von Otter no papel de Alceste. Na produção concebida por Vick da história que narra como uma rainha e esposa dedicada se sacrificou para morrer em lugar de Admeto, o seu marido, caberá o papel da trágica protagonista à jovem cantora portuguesa Ana Quintans.
No CCB, em março (dias 6, 8 e 10), chega a altura da coreógrafa portuguesa Olga Roriz assinar outras novas produções: “O Castelo do Barba Azul”, de Bartók, e “La Voix Humaine”, de Poulenc. "Gostei da estética contemporânea e do estilo visual da Olga, no bailado ‘Pedro e Inês’. Quando cheguei a Lisboa, ela estava no topo da lista dos contactos a estabelecer, por causa da produção do Stravinsky que assinou, um sucesso. Em tempos, ela tinha abandonado um projeto para o 'Castelo do Barba Azul' que se concretizará agora, na nova temporada", declarou ao Expresso Patrick Dickie. Numa sessão também ela dupla com a música dos compositores húngaro e francês, a parceria com o CCB concretiza-se com o convite endereçado a duas artistas nacionais, Olga Roriz e Joana Carneiro.
Em novembro (dias 8 e 18), há uma estreia, “A Canção do Bandido”, com partitura de Nuno Côrte-Real e libreto de Pedro Mexia, acontecimento anunciado para o palco do Teatro da Trindade.
Já na primavera de 2019, em abril (dias 1, 3, 4 e 6), chegará ao São Carlos a novidade que consiste na apresentação de “L’Étoile”, a ópera de Chabrier com encenação de James Bonas, às voltas com um destacado momento cómico da ópera francesa do século XIX.
Em Lisboa, em maio (nos dias 9 e 11), será apresentada, em versão de concerto, “La Gazza Ladra” de Rossini com direção de Sesto Quatrini.
Quanto à temporada sinfónica, ela arranca em Lisboa, em setembro (dia 22) com Joana Carneiro a dirigir “A Child of Our Time”, de Michel Tippett. A 19 de maio, conclui-se a temporada sinfónica com um concerto de música russa sob a direção do maestro Emil Tabakov. No calendário de 16 espetáculos (podem vir a ser mais, conforme foi indicado), a temporada sinfónica estende-se ainda às Caldas da Rainha (dias 6 de outubro, e 9 de fevereiro) onde serão apresentados dois concertos com os instrumentistas da OSP sob a direção da maestrina Joana Carneiro com o segundo espetáculo a incluir “A Sagração da Primavera” de Stravinsky.
No Coliseu do Porto (dia 12 de abril) e no CCB, em Lisboa (dia 15 de abril), será apresentado o terceiro ato da ópera “Parsifal” de Wagner, uma escolha de uma ópera que sobe ao palco ‘seccionada’, opção que o diretor do TNSC justifica desta forma: "Depois da 'Turandot' de 2017, será a segunda vez que estaremos com uma parceria no Coliseu do Porto. Com o passar do tempo, planeamos construir e apresentar para os nossos espectadores do Porto uma ópera completa de Wagner. Pensei que o terceiro ato do 'Parsifal' interpretado por um excelente elenco de solistas seria uma forma interessante de oferecer um concerto na Páscoa."
Em Lisboa, no mês de outubro (dias 12 e 13), o maestro Giovanni Pirolli dirige o “Stabat Mater” de Dvórak. Para a quadra natalícia, está reservado para o CCB (dia 16 de dezembro) “L’Enfance du Christ”, de Berlioz, com o maestro francês Frédéric Chaslin.
Na comemoração dos 500 anos da Igreja do Loreto, o maestro e cravista Marcos Magalhães dirige o “Te Deum” de Giuseppe Totti (dia 15 de fevereiro).
Em suma, 43 espetáculos que se estendem ao longo de 10 meses com a Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP) e o Coro do TNSC convocados para récitas de ópera e para espetáculos sinfónicos, numa diversidade e ecletismo de repertórios (Beethoven, Gluck, Rossini, Schumann, Wagner, Verdi, Dvorák, Massenet, Puccini, Chabrier, Bartók, Stravinsky, Tippett, Britten, Poulenc, Nuno Côrte-Real, etc.) que não concede um minuto de descanso e de desconcentração aos músicos que têm escrito as páginas recentes da história do TNSC.
Cocteau contava a história do “camaleão cansado” e do seu dono que o colocou, cheio de boa vontade, sobre uma manta de xadrez escocês para ver se o réptil descansava um pouco. O camaleão ficou muito fatigado e morreu. Aqui, serão muitas as 'mantas axadrezadas' sem que se avistem as pausas para descanso. Esperemos que os nossos músicos tenham mais resiliência para uma tal multiplicidade do que o camaleão de Cocteau.
Os bilhetes serão colocados à venda a partir de 17 de setembro. A venda de assinaturas faz-se de 3 a 14 de setembro.