Era uma vez um ovo
Sempre pronto a rebolar
Apesar de não ser novo
Não se parecia cansar
Um dia o Senhor Ovo
Deu de caras com a galinha
E a pergunta que inquietava o povo
Foi ela ver se resposta tinha
Diga-me lá Senhor Ovo
De onde é que você vem
Em Lisboa ou em Moscovo
Você conhece alguém?
Senhor Ovo embatucou
E parou de rebolar
Sem saber quem sou
Não posso continuar
A questão era premente
Sentia-se como barco sem costa
Mas não conseguia ter em mente
Como chegar à resposta
Tinha feito a vida a rolar
Colina acima colina abaixo
Agora não conseguia parar de pensar
Em que ninho será que encaixo
Sugeriu-lhe então Dona Galinha
Que juntasse o que gostava
Com isso traçasse uma linha
E visse onde o levava
Senhor Ovo não percebeu
O alinhamento das paixões
Mas a galinha esclareceu
Assim se ouvem os corações
Senhor Ovo enrugou a tez
Nunca tal tinha imaginado
Pois nem por uma vez
Seu coração lhe havia falado
Não se trata de uma questão de ouvido
Veio a galinha explicar
É mais uma questão de sentido
Disse ela para o serenar
Só nesse preciso momento
Senhor Ovo percebeu
Que não havia sentimento
Que soubesse ser seu
Dona Galinha disse-lhe então
Não precisa de se preocupar
Oiça o seu coração
Ele diz-lhe o que encontrar
Para resolver o dilema
Não podia boiar na clara
Tinha de mergulhar na gema
E perguntar-lhe o que achara
Mas a gema não falava direito
Não entendia sua linguagem
Senhor Ovo achou suspeito
Que lhe falasse de paisagem
Acedeu às sugestões dadas
Para ouvir o seu coração
Alinhando as palavras ditadas
Mesmo sem a sua compreensão
Quando as leu pela primeira vez
Eram só palavras soltas
Mas tantas vezes o fez
Que as ouviu falar umas com outras
A palavra paisagem
Juntou-se logo à do mar
E quando surgiu a viagem
Casou-a com voar
Senhor Ovo nem queria crer
A galinha tinha razão
Para a nossa identidade saber
Basta escutarmos nosso coração
Sabia agora que o mar
Teria sido a sua primeira miragem
Por isso gostava tanto de nadar
Na água fresca da barragem
Não sabia voar
Mas não parava quieto
Começava a acreditar
Que alguma importância tinha esse aspecto
Talvez fosse por sua mãe
O ter trazido num transporte aéreo
Mas não sabia de ninguém
Que atravessasse o etéreo
Teria então sido a voar
Que sua mãe o tinha trazido
Para ali o deixar ficar
Todo este tempo esquecido
Pôs-se Senhor Ovo a chorar
Pelo que foi revelado
Não conseguia deixar de pensar
Que tinha sido abandonado
Mas chegou Dona Galinha
E deu-lhe valente abraço
Agarrou-o com as forças que tinha
Aconchegou-o no seu regaço
No calor do colo
O ovo deixou de soluçar
Lá se foi o protocolo
De ovo ser só para chocar
Embalado pelo carinho
Senhor Ovo adormeceu
Quando acordou pintainho
De imediato percebeu
Não preciso de voar
Para encontrar miminho
Mesmo sempre a rebolar
Nunca estive sozinho
Dona Galinha limpou-lhe as penas
Ensinou-o a bicar
Era um pintainho apenas
Tinha muito para lhe mostrar
Debaixo daquela asa
Encontrou o ovo consolo
Agora que tem casa
Já não se sente tolo