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Providências cautelares tentam travar despejo de 22 restaurantes na Costa da Caparica: “A Câmara de Almada está a brincar com as pessoas"

22 restaurantes de praia na Costa da Caparica, entre os quais o famoso O Barbas, receberam ordem de despejo por parte da Câmara Municipal de Almada, que comunica o fim da concessão. A mesma carta permite que os espaços continuem a funcionar desde que paguem a renda, mas não garante qualquer perspetiva de futuro. Os empresários estão indignados e sem saber o que fazer. A autarquia remete-se ao silêncio

Costa da Caparica
Getty Images

Os restaurantes O Barbas, Sush’in Paradise, Sentido do Mar, Da Wave, Dr. Bernard e Espaço 20 são nomes bem conhecidos na Costa da Caparica, alguns com mais de 30 anos de existência junto ao areal. Hoje, os empresários vivem a angústia de um futuro que pode passar pelo encerramento e despejo. No total, 22 restaurantes, com cerca de 300 trabalhadores, têm as portas abertas, mas não sabem até quando. Todos receberam ordens de despejo, mas a missiva da Câmara Municipal de Almada deixa nas mãos dos empresários a opção de continuar de portas abertas, desde que as rendas mensais sejam pagas, até à eventual realização de um concurso de concessão dos espaços de restauração e apoio de praia. Confuso?

Vamos tentar explicar:

Marcel Favery

Ordem para fechar

No passado mês de novembro, a Câmara Municipal de Almada enviou cartas aos concessionários da frente urbana da Costa da Caparica, que contempla 2,5 km da Cova do Vapor à Fonte da Telha, a informar que teriam 10 dias para abandonar os espaços: em suma, uma ordem de despejo. No entanto, da mesma carta constava a hipótese de ficar e pagar a renda sem qualquer garantia de continuidade quanto à exploração futura dos estabelecimentos. Muitos reagiram com providências cautelares. Pedem para ser recebidos pela Câmara, mas sem sucesso.

Acácio Bernardo, do restaurante Sushi’n Paradise, também responsável pela Associação dos Concessionários da Costa da Caparica, confirma que “o texto das cartas era igual para todos”. Lembra que já tinham tentado encontrar uma solução, mas o contacto e a via diálogo nunca existiram: “A Câmara Municipal de Almada e demais entidades deixaram arrastar o assunto e boa parte dos concessionários, não todos, tentou salvaguardar-se através dos advogados”. Desde a receção das cartas nada aconteceu, continuaram a pagar a renda. Do lado das várias entidades, nem uma palavra ou explicação: “A carta, num parágrafo, dizia que poderíamos continuar a pagar a renda e assim manter os espaços abertos, mas que isso não nos conferia o prolongamento do contrato, ou contrato novo, e, no fundo, ficávamos na mão até dizerem, pronto, agora acabou, que foi o que aconteceu com carta”. O porta-voz da Associação dos Concessionários da Costa da Caparica reconhece que os empresários estão “aflitos” e pede “alguma condescendência” e abertura para conversar sobre o futuro, por parecer que “querem mandar-nos embora e pôr cá outros”.

Quanto à possibilidade de um novo concurso público, Acácio Bernardo revela que esse é um tema que nunca foi abertamente discutido, nem existe qualquer processo em desenvolvimento que seja do conhecimento público. A indignação perante o silêncio da autarquia é grande entre os empresários: “Achamos que temos também alguns direitos porque há aqui gente com portas abertas há mais de 30 anos, sempre a cumprir com todos os deveres e obrigações”. Os concessionários dos restaurantes da Costa da Caparica pedem consideração e espaço para conversar e negociar. Querem, em resumo ser parte da solução: “A questão mais complicada é que não temos do outro lado nenhuma opção, não dizem nada, nem nos recebem”.

Sem qualquer resposta ou abertura para explicações por parte da autarquia, parte dos empresários avançou para os tribunais: “O processo está entregue, com providências cautelares”.

O Barbas na Costa da Caparica

Propostas de novos contratos canceladas sem explicação

Acácio Bernardo recorda que há cerca de três anos foi proposto aos concessionários um novo contrato, com duração de 18 anos. O teor foi analisado e propostas algumas alterações, que foram aceites pela autarquia, mas sem qualquer aviso ou justificação, o processo parou. “É evidente que, quando alguém nos propõe um contrato, é porque está de boa fé e, neste contexto, os concessionários, de uma maneira geral, avançaram com alguns investimentos e até reparações de fundo, porque são espaços muito expostos ao mar e precisam de muita manutenção”. Só Acácio Bernardo tem 16 pessoas a trabalhar no restaurante Sushi’n Paradise em época baixa, e cerca de 30 no verão. “Um empresário aqui não sabe com que linhas se pode coser, como vai ser para o ano, os contratos que tem de fazer com fornecedores e por quanto tempo. É uma situação muito difícil”. Sem ter qualquer ideia ou certeza sobre as intenções da Câmara de Almada, garante estar e querer continuar na Costa da Caparica “de corpo e alma”.

Marco Ramos, sócio e filho do fundador do famoso restaurante O Barbas, na Costa da Caparica

Marco Ramos, restaurante O Barbas: “Estão a brincar com a vida das pessoas, com os empresários e com todos os que frequentam as praias da Costa”

Marco Ramos é filho do famoso “Barbas”, um dos mais conhecidos sócios do Sport Lisboa e Benfica. É também sócio do restaurante O Barbas, que o pai fundou em 1981 e um dos que recebeu a carta de despejo enviada pela autarquia de Almada. Resume um pouco o que foi acontecendo ao longo dos anos. Lembra que tudo começou com o programa Polis, que se desenvolveu na Costa da Caparica, da Cova do Vapor até à Fonte da Telha, para melhorar a frente de praias, com a primeira intervenção a incidir na frente urbana e a “cantiga”, ironiza, Marco Ramos, “era que tudo seria para melhor, para não metermos entraves porque estas situações de retirar antigos restaurantes, moradores de algumas casinhas na praia, era um processo muito delicado, mas a Costa da Caparica, o turismo e os nossos clientes iriam sair beneficiados”. Chegaram a acordo.

António Ramos, "O Barbas" do Benfica, com Marcelo Revelo de Sousa
Facebook do restaurante O Barbas

Novo calvário e restaurantes ferrugentos

“Com divergências entre as várias entidades intervenientes na renovação da frente urbana, o programa Polis ficou completamente ao abandono e quando nos entregaram os restaurantes já estavam ferrugentos e tivemos uma despesa enorme a montar um espaço novo”. Hoje com 35 funcionários, divididos por dois restaurantes, O Barbas e Cervejaria O Barbas, o empresário indigna-se com o silêncio oficial e o futuro incerto: “Não temos uma palavra de ninguém, nada está formalizado, não sabemos se vamos continuar, se temos preferência, estão a brincar com a vida das pessoas, com os empresários e com todos os que frequentam as praias da Costa. Não se puxa o tapete às pessoas sempre que estiveram aqui de pedra e cal”.

Com as cartas que enviou, Marco Ramos considera que “a Câmara sacudiu um bocadinho a água do capote, mas queremos levar tudo a bom porto”. Parece-lhe, contudo que a autarquia “tem a porta fechada às praias da Costa da Caparica”. Haverá outros concursos públicos? “Ninguém sabe e um concurso público não se faz de um dia para o outro. Hoje, estamos num impasse e nada disto faz nada de sentido”, conclui.

O Expresso contactou o Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de Almada para obter esclarecimentos sobre esta situação e o futuro dos restaurantes da Costa da Caparica, mas até ao momento não foi possível obter qualquer resposta.

Costa da Caparica

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