Hoje, os Caminhos de Santiago são muito mais do que um território de devoção. São caminhos de descoberta, de bem-estar e de procura de espiritualidade associados aos novos viajantes. São, de forma resumida, uma excelente oportunidade para conhecer as gentes, as tradições, a cultura, a paisagem e o património.
A Via Portugal Nascente ou Caminho Nascente recupera o Caminho de Santiago pelo Interior de Portugal entre Tavira e Trancoso. Daí continua para Compostela pelo Caminho de Torres e outros já existentes. Na região Centro, este itinerário jacobeu tem início em Vila Velha de Ródão e termina em Trancoso, convidando a uma viagem única pela beleza e mistérios da Beira Interior. Cruzam-se áreas urbanas como Castelo Branco, Fundão e Guarda, mas é a natureza que mais impressiona o viajante, com destaque para as serras da Gardunha e da Estrela.
Contemplação junto ao Tejo
o Caminho Nascente, com partida em Tavira, atravessa o Alentejo, antes de entrar na região Centro. Atravessar a ponte metálica, construída sobre o rio Tejo em 1884, para chegar a Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco, é um ritual de contemplação, que tem ainda maior impacto nas Portas de Ródão. Sobranceiro a este santuário para grifos e mais de 100 espécies de aves está o castelo de Ródão, com a torre atalaia erguida nos séculos XII e XIII. Crê-se, porém, que este edifício de caráter militar existisse desde a ocupação dos visigodos, daí chamar-se castelo do rei Wamba. No cais de Ródão merece visita a Estação Arqueológica da Foz do Enxarrique, uma montra a céu aberto de vestígios atribuídos ao Paleolítico Médio. Na passagem por Amarelos pode conhecer e usufruir do forno comunitário de pão e da bolaria local.
Segue-se para Castelo Branco, outrora protegida por um castelo e uma muralha, fundados em meados do século XIII. Sugere-se uma visita à Catedral de Castelo Branco, datada do século XIII. No Museu de Arte Sacra de Castelo Branco (tel. 272348420), instalado na igreja do convento da Graça, do século XVI, é possível observar a escultura quinhentista do apóstolo de Jesus Cristo, São Tiago Maior. Para conhecer as tradições locais entra-se no Centro de Interpretação do Bordado (tel. 272323402), instalado na antiga Casa da Vila e dedicado ao saber fazer relacionado com a técnica utilizada pelas bordadeiras albicastrenses. No frondoso jardim do Paço Episcopal retemperam-se forças e contemplam-se as magníficas estátuas e os repousantes jogos de água.
Aos pés da Gardunha
A sinalética do Caminho Nascente indica a rota pelo vale do Romeiro e pela ponte setecentista de Santiago, sobre o rio Ocreza, em Cafede, aldeia onde se localiza uma capela erguida em honra do santo. Além da planície marcada por carvalhos e sobreiros em redor da barragem de Santa Águeda ou da Marateca, aos pés da serra da Gardunha, surge no caminho Soalheira, aldeia de rebanhos e de produção de queijo, já no concelho do Fundão. A subida à montanha é compensada pela panorâmica sobre a Cova da Beira, região famosa pelas cerejas com denominação Indicação Geográfica Protegida. Até ao cimo da Gardunha ainda faltam cerca de 5 km.
Já em Castelo Novo, uma das 12 Aldeias Históricas de Portugal, erigida em anfiteatro, destaca-se a praia fluvial. O castelo guarda séculos de história, segredos, lendas e a herança templária defendida a partir das muralhas. A rota segue até Alpedrinha que, situada na encosta sul da serra da Gardunha e conhecida pela preservação da tradição da transumância, integra a rede de Aldeias de Montanha. Nesta “Sintra das Beiras”, designação dada pela marquesa de Alorna, situa-se o palácio do Picadeiro (tel. 275561121), solar barroco do século XVIII. Hoje, é um espaço museológico de grande relevância histórica e cultura que merece a visita. Antes ou depois, observa-se o pelourinho e a Fonte do Leão. O caminho romano leva o peregrino até Alcongosta, a capital da cereja. Este percurso obriga a fazer uma descida, que justifica redobrada atenção e cuidado.
Caminhos da Fé em Belmonte
No Fundão, conheça a capela do Espírito Santo, edifício erigido no século XVI junto à capela do Calvário. Saiba mais sobre a aguardente local e o chá preto feitos a partir de cereja do Fundão, bem como os “Biscoitos de azeite” e os “Borrachões”. Observe a instalação de Bordalo II localizada junto à estação ferroviária, já depois de deixar o Fundão, a caminho de Valverde. O itinerário prossegue até chegar à ponte de Pêro Viseu para depois descer em direção a Ferro, no concelho da Covilhã, uma aldeia de ruas estreitas, casas em pedra e pomares de cerejeiras, onde se encontra a capela do Espírito Santo. Antes de se chegar a Belmonte, uma paragem em Caria. A aldeia é profícua em casas senhoriais, como a Casa da Torre (Tel. 275088698), edificada no século XVI, para acolher os bispos da Guarda. A malha urbana é marcada por igrejas, capelas e edifícios com história. O caminho continua até Belmonte, onde se destaca o castelo medieval. Nesta Aldeia Histórica de Portugal é obrigatória a visita à igreja de Santiago, monumento de culto religioso marcante para os peregrinos, datado do século XIII, e ao Centro Interpretativo dos Caminhos da Fé. O passado e influência judaicos estão bem patentes na sinagoga de Belmonte. A viagem ao passado complementa-se com o Museu dos Descobrimentos (Tel. 275088698), situado a dois passos da estátua erguida em honra a Pedro Alvares Cabral, filho desta terra e figura central da descoberta do Brasil. No Posto de Turismo pode agendar passeios guiados. Refresque-se com a cerveja artesanal Cabralina e prove as bolachas de cerveja e os biscoitos de azeite na mercearia Cabralina. A poucos minutos, na freguesia de Colmeal da Torre, encontra-se o Centum Cellas, um local enigmático, associado à era romana, que consiste numa estrutura edificada merecedora de contemplação, sobretudo ao pôr do sol.
Mantas de papa
Já no extremo do concelho da Guarda, Valhelhas encanta com a praia fluvial banhada pelas águas do rio Zêzere. A rota atravessa a ponte Filipina e a barragem do Caldeirão, para chegar à igreja matriz, conhecida por igreja de Nossa Senhora da Assunção, na aldeia de Gonçalo, e depois à capela de Santa Cruz, em aldeia do Bispo. Em Maçainhas de Baixo aproveite para conhecer a produção de campainhas de bronze e de mantas de papa, que dão fama à freguesia. A entrada na Guarda, a cidade mais alta de Portugal (a 1056 metros de altitude), no planalto beirão, é feita pela Porta dos Ferreiros, construída no século XIII, a mando de D. Dinis. Merecem visita a torre de menagem do castelo e a vasta coleção artística do Museu da Guarda (tel. 271213460), onde também está instalada a Oficina do Peregrino, local indicado para carimbar a credencial de peregrino. Na cidade destacam-se ainda a Sé da Guarda, fundada em finais do século XIV e um importante espaço de culto religioso na Beira Interior, e os interiores da igreja de São Vicente, obra do século XVIII. Este roteiro urbano integra ainda o Pelourinho e a Porta d’El Rei, que remontam ao reinado de D. Dinis.
Sardinhas de Trancoso
De regresso ao Caminho Nascente, o rio Mondego ganha destaque na paisagem que se avista na descida de Ramalhosa. Com passagem na agradável praia fluvial de Aldeia Viçosa, o próximo destino é Celorico da Beira, localizada nos contrafortes da serra da Estrela. O castelo, que conserva os estilos românico e gótico, a igreja de Santa Maria, a matriz religiosa da vila, convidam a uma paragem, bem como o sítio arqueológico de São Gens, onde se encontra uma necrópole do tempo dos Visigodos. Aproveite para visitar o Solar do Queijo Serra da Estrela, instalado num edifício do século XVIII, situado no centro histórico de Celorico da Beira. Mais à frente, está o pelourinho de Forno Telheiro. Depois da ponte da Lavandeira, sobre o rio Mondego, que fazia parte da do trajeto de uma via romana que conduzia até Mérida, na vizinha Espanha, o itinerário indica Trancoso. Nesta Aldeia Histórica de Portugal destaca-se o convento de São Francisco ou convento dos Frades, datado do século XVI e que, em 2009, foi convertida, para receber o atual Teatro Municipal. Os visitantes devem provar as sardinhas de Trancoso, um doce tradicional, que é recompensa na reta final do Caminho Nascente de Santigo no Centro de Portugal, com entrada triunfal através das Portas d’El Rei, nas muralhas da cidade.