Henrique Sá Pessoa é, por estes dias, um chef ainda mais atarefado. Abriu um restaurante em Amesterdão, prevê abrir outro em Londres ainda este ano e foi um dos chefs convidados para participar no projeto Hangar-7 do restaurante Ikarus, na Áustria. Distinguido como Chef do Ano na edição 2022 do Guia Boa Cama Boa Mesa, apresentou os novos pratos do Menu Costa a Costa num dia em que decorriam filmagens no Alma, restaurante de fine dining premiado com um Garfo de Ouro pelo Boa Cama Boa Mesa.
O menu é uma homenagem ao peixe e marisco da nossa costa, num registo que mantém a sobriedade elegante com que Sá Pessoa se dedica à cozinha portuguesa de autor e que já valeu a conquista de duas estrelas Michelin. Olhando para a evolução, o chef reconhece que “o Alma está num grande momento em termos de consistência”, com a cozinha “mais refinada e aprimorada”. Não alterar demasiado a carta ajuda a garantir a estabilidade que se espera de um restaurante “clássico”, embora “não óbvio”, lembra Sá Pessoa, dando margem à descoberta à mesa.
O Menu Costa a Costa (€160, possível harmonização vínica por €85) inicia com dois snacks sobre um azulejo português. Um “Crocante de tapioca” e uma “Tartelete de pato” fumado, lentilhas e gel de vinagre de vinho do Porto. No “Porco piri piri”, a pele de porco desidratada é encimada por leitão desidratado, alecrim, maionese de piripiri e mel. Verdadeiro clássico, o “Pimento em tempura” negra de tinta de choco intensifica com o gel de vinagre fumado, um prazer em dose dupla.
Para valorizar os amuse-bouches seguintes serve-se um vinho natural, o Soalheiro Terramatter 2020. De primorosa textura, um “Lírio dos Açores” levemente braseado vem num envolvente dashi de tomate, enriquecido pelo óleo verde de capuchinhas, os cogumelos Shimeji e pérolas de vinagre de arroz. Num segundo momento surge a “Muxama” de atum com puré de couve roxa, alga Nori desidratada, e uma barriga de atum temperada com beterraba. Prepara-se o caminho para a frescura do Sorbet de tomate, elemento mais afastado do mar, mas inscrito na cultura portuguesa e assumindo texturas como a da gelatina e do gaspacho clarificado, além do tomate Cherry.
Aproxima-se o momento do pão de massa mãe da Gleba, que é finalizado no restaurante. Partilha a mesa com a tentadora manteiga fumada e um azeite de produção exclusiva no Alentejo. Um ERMO Arinto de Barro 2020, produzido em ânfora, é o vinho branco escolhido para a primeira entrada, a “Sopa de cebola”, um clássico da cozinha francesa aqui com notas “mais associadas ao mar do que ao queijo”: estão presentes o tamboril, o mexilhão e alga Botelho, além das cebolinhas tostadas e do caviar. O excelente “Carabineiro” acompanha com uma leve açorda do mesmo (esferas de picante no topo), emulsão de alho e coentros, crumble de pão e alface do mar em pó. O toque de classe final é o vinho, o muito recomendável Buçaco Rosé de 2019, que harmoniza também pela cor.
Para aconchegar a “Pescada” de anzol opta-se pela referência alentejana Mestre Daniel Lote X. A proteína continua no ponto, adornada pelos purés de aipo e avelã, intensificada pelo pickle de aipo e uma emulsão feita a partir das espinhas da pescada, champanhe e molho de ostra. No topo, crumble de avelã e aipo. O “Pregado” fecha os momentos principais com distinção e em perfeito equilíbrio de sabores. Ao mar junta-se a “terra” das lâminas de trufa, do puré de raiz de salsa, o arroz selvagem trufado e da beurre blanc de cogumelos Boletus. Tudo em harmonia com o Ilha Tinta Negra de 2019, um tinto madeirense “com notas subtis de fumo” devido à influência do basalto e que acrescenta “frescura e acidez” ao prato. A reta final mantém o acerto: a “Pêra e gengibre”, de excelentes atributos, faz a transição para a versão 2.0 do “Mar e citrinos”, com sorbet de yuzu, algas cristalizadas, curd de citrinos e o pairing do duriense Dócil AuAu 2020, de Dirk Niepoort.