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Descobrir Piódão, a Aldeia Presépio de Portugal

Entre história, lendas e encantos naturais, Piódão, no concelho de Arganil, assume-se como um dos grandes símbolos das Aldeias Históricas de Portugal.

A aventura de chegar ao Piódão começa no próprio caminho. Curvas acentuadas, entre subidas e descidas, revelam aos poucos, ainda no alcatrão, vislumbres rápidos daquela que é uma das mais típicas aldeias nacionais, um verdadeiro presépio de xisto, pontuado pelos rasgos azuis das portas e janelas e pelo imaculado branco da igreja matriz, destaque central do aglomerado de casas que se estende pela encosta acima no lado norte da serra do Açor. Ainda antes de chegar ao largo principal da aldeia, José da Conceição Lopes recomenda um desvio pela estrada de terra para ler, no miradouro Miguel Torga, inscrito numa pedra as palavras ditas pelo médico que foi principalmente escritor: “Com o protesto do corpo doente pelos safanões tormentosos da longa caminhada, vim aqui despedir-me do Portugal primevo. Já o fiz das outras imagens da sua configuração adulta. Faltava-me esta do ovo embrionário”. É tempo, também, para uma primeira fotografia, regressar à estrada e chegar ao coração da aldeia.

Piódão
Paulo Chaves

O Núcleo Museológico do Piódão (tel. 235732787) dá as boas-vindas a quem chega, logo ao lado do posto de turismo, onde as informações aos visitantes são servidas com um sorriso acolhedor. Depois de absorver a energia deste belo lugar prepare-se para um percurso “exigente”, que inclui provas de licores no largo principal, cortesia da venda que ali se encontra, e visitas às várias exposições, com referência obrigatória para a secção “Uma história cheia de estórias”, com testemunhos históricos e arqueológicos, e “Vida quotidiana”, com as tradições etnográficas da região. Mas, o melhor é fazer-se ao caminho e subir à mais íngreme das ruas, para, depois de chegar ao topo, começar a descobrir os detalhes da aldeia, entre casinhas de xisto negro e telhados de ardósia. Prepare-se com calçado confortável já que a caminhada é feita por entre ruas irregulares, pequenas em comprimento e em largura, e até por escadarias.

Entre o casario

A capela de São Pedro é um lugar de pequenas dimensões, mas onde a devoção sempre foi maior que as paredes. Atente aos pequenos regatos de água que teimosamente correm entre o xisto e siga-os, de forma aleatória, até uma das muitas fontes e quedas de água fresca que correm até à ribeira, regressando ao largo principal da aldeia, batizado com o nome do Cónego Manuel Fernandes Nogueira. Pode perguntar a qualquer um dos habitantes a história por detrás do busto que representa este religioso e ficará a conhecer mais detalhes sobre este homem que nasceu em Loriga e que ali chegou em 1885. Fundou um colégio, que preparava alunos para a entrada no seminário, precisamente localizado no largo a que deu nome. O local foi também palco da rodagem, em 1973, da curta-metragem “O Piano”, narrada pelo ator Sinde Filipe, natural de Coja, localidade próxima do Piódão. A fita, com apenas 33 minutos, contou com a participação dos habitantes, que assumiram todos os papéis da trama, acabou por ser responsável pelo aumento do fluxo turístico a esta Aldeia Histórica de Portugal, dando-a a conhecer ao mundo. A curta-metragem está em exibição no Núcleo Museológico do Piódão. É também neste largo que se situa a famosa Igreja Matriz do Piódão. Apesar de alterado, acredita-se que o edifício data da segunda metade do século XVIII. Foi reconstruída pelo padre Manuel Fernandes Nogueira, também arquiteto da nova fachada branca e azul, que se destaca do tradicional casario da aldeia.

O pior do mundo

Aproveite a visita para dois dedos de conversa, logo a seguir ao largo principal, no café e restaurante O Fontinha (Tel. 914180281), onde se serve chanfana e bucho e se provam licores. Desafie José da Conceição Lopes a contar a origem do nome Piódão. Para ele, o facto do vale se parecer com um pote ou uma bacia, e por estar a aldeia no fundo, assumem-se parecenças com um pio, como aqueles onde nos lagares se mói a azeitona. Se procura uma visão mais romântica, leve a conversa para a mais bela das histórias de amor do imaginário nacional e oiça a lenda de que Diogo Lopes Pacheco, um dos assassinos de Inês de Castro, protagonista do romance com o rei D. Pedro, foi fundador de Piódão, ou ainda outra que garante ter sido um temerário foragido que, ao escrever à família sobre onde se escondia, se referiu a “Piodam” como “o pior do mundo”. Da mesma forma que não há consenso sobre as origens do Piódão, também sobre o azul e o branco das janelas reza a lenda que terá sido uma sobra de tinta que as fez tão chamativas. Já outra conta que será precisamente para chamar a atenção, em contraste com o castanho e cinzento do xisto, por escolha da própria população.

Entre o casario, resguarda-se a praia fluvial, que aproveita uma pequena represa que estanca a ribeira do Piódão e faz nascer uma piscina natural de águas cristalinas e puras. O equipamento oferece todas as condições para um dia divertido e nos últimos anos tem ostentado Bandeira Azul. Aceite o desafio para uma caminhada de 3,5 km, devidamente identificada, até à também fotogénica praia fluvial de Foz d’Égua. Procure pela ponte de madeira para mais um momento único. Existem outros percursos pedestres, com níveis de dificuldade variáveis, que levam o caminhante pelas serranias em redor e garantem perspetivas inesperadas da aldeia. Traga na bagagem um dos licores ou as já famosas broa de batata, cajadas e telhas de Piódão ou uma das icónicas réplicas das casas do Piódão feitas com o xisto da aldeia. Para uma perspetiva única da aldeia, a qualquer hora do dia ou até da noite, aproveite a vista a partir do hotel INATEL Piódão (Tel. 235730100).

Este artigo foi adaptado do Guia das Aldeias Históricas de Portugal, oferecido com o Expresso, no dia 30 de maio de 2021

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