O salário mínimo é um domínio em que existem grandes diferenças entre os países europeus. Desde logo, em termos institucionais. 21 dos 27 estados-membros possuem salários mínimos nacionais estabelecidos na lei, mas há seis em que estes mínimos são estabelecidos a nível setorial, em contextos caracterizados por coberturas muito elevadas (acima de 80% ou 90%) de convenções coletivas de trabalho. A diversidade é ainda maior quanto aos montantes, que variam entre os cerca de 330 euros da Bulgária e os mais de 2200 euros do Luxemburgo, refletindo as diferenças de produtividade existentes entre os países mas também diferenças ao nível da repartição do rendimento dentro de cada país e ao nível da robustez da intervenção regulatória. Em 2019, por exemplo, o salário mínimo representava 50% do salário médio em França, mas apenas 35% na Irlanda.
É neste contexto que há se ouve falar há vários anos na ideia de um salário mínimo europeu, regulado à escala da União Europeia. A ideia, que se insere no âmbito do chamado Pilar Social, visaria promover uma gradual convergência de rendimentos e direitos entre Estados-membros e combater o risco de pobreza entre quem trabalha, que afeta atualmente perto de 10% dos trabalhadores da UE. Foi igualmente neste contexto que a Comissão von der Leyen apresentou em outubro de 2020 uma proposta de Diretiva sobre salários mínimos adequados na União Europeia, fazendo acompanhar esse anúncio por declarações grandiloquentes acerca do caráter sagrado da dignidade do trabalho e a importância de rendimentos do trabalho decentes. E nas últimas semanas soubemos que este é também um dominio em que a presidência portuguesa pretende deixar a sua marca, designadamente no contexto da cimeira social e Conselho Europeu informal que terão lugar no Porto a 7 e 8 de maio e nos quais, presume-se, se procurará chegar a acordo em torno desta proposta de diretiva.
Quando olhamos no concreto para a proposta da Comissão, porém, o que encontramos é muito pouco. Em primeiro lugar, aquilo que não é. A proposta de Diretiva da Comissão não só está muito longe de estabelecer um mínimo absoluto comum para toda a Europa como não se propõe caminhar gradualmente para qualquer tipo de convergência absoluta, nem sequer como objetivo a prazo. Também não se propõe intervir nas diferentes modalidades de regulação da matéria (salário mínimo nacional ou convenções coletivas setoriais), que são deixadas à decisão dos estados-membros. Na verdade, nem sequer estabelece parâmetros mínimos relativos, seja em termos de percentagem do salário médio ou mediano de cada país, em relação ao limiar de risco de pobreza nacional ou em termos de salários adequados (“living wages”). O que esta proposta de diretiva é, fundamentalmente, é um conjunto de disposições vagas e gerais: o salário mínimo deve ter um nível “decente” (definido em cada país segundo critérios a estabelecer por cada um), deve ser atualizado “regularmente”, as deduções e regimes excecionais devem ser “limitados”. Tudo aspiracional e difuso, praticamente nada de concreto e vinculativo. São tais os cuidados em não infringir a soberania nacional neste domínio que a proposta de Diretiva pouco mais
é do que uma vaga declaração de intenções com duvidosa eficácia legislativa ou política. Neste sentido, não só é descabido falar de “salário mínimo europeu” como é legítimo perguntar que impacto real poderá ter esta iniciativa legislativa. Sobretudo, é significativo até que ponto a tibieza regulatória da UE neste e outros domínios do ‘Pilar Social’ contrasta com a subjugação da soberania nacional em domínios como a disciplina orçamental ou o mercado comum.
Especialmente para os países que aderiram à União Económica a Monetária, as últimas duas décadas deixaram na verdade bastante claro que a rigidez da arquitetura da moeda única e o esvaziamento dos instrumentos de política económica nacionais transformaram os salários na variável de ajustamento por excelência dos desequilíbrios macroeconómicos entre países. É revelador que a taxa de risco de pobreza entre quem trabalha tenha aumentado na última década na União Europeia e que os níveis mais altos desse risco de pobreza se encontrem nos países da periferia europeia. Contra estas forças estruturais promotoras de divergência, iniciativas como esta proposta de diretiva pouco mais são do que cosmética.