A intenção recentemente anunciada pelo Facebook de lançar uma nova moeda virtual em parceria com um conjunto de outras empresas tomou o mundo de surpresa e suscitou desde já preocupações que têm muita razão de ser. A libra, como se chama a nova moeda (assim mesmo em inglês) funcionará com base na tecnologia blockchain de registo descentralizado de dados e é, nesse sentido, análoga à bitcoin.
Porém, a semelhança mais fundamental é outra: tal como a bitcoin e a generalidade das criptomoedas, o valor fiduciário da libra é exclusivamente convencional e não assenta numa base política. Nisso distingue-se das moedas emitidas pelos bancos centrais, cuja aceitação como curso legal é imposta pelo poder coercivo dos estados e que, em particular, podem e devem ser utilizadas para pagar impostos.
Obviamente, o que torna a libra muito mais preocupante do que as criptomoedas existentes é a dimensão que presumivelmente poderá atingir. Em contraste com a bitcoin, que sendo a mais importante das criptomoedas atuais conta com cerca de sete milhões de utilizados ativos, o Facebook, enquanto rede social, conta atualmente com quase 2,5 mil milhões de utilizadores ativos a nível mundial, ou cerca de um terço da população do planeta.
Se a utilização da libra, por exemplo para o envio de remessas e a regularização de dívidas, começar a generalizar-se entre, digamos, dez por cento dos utilizadores do facebook e das empresas que estão presentes nesta rede social, estaremos a subir várias ordens de grandeza em relação à dimensão atual da bitcoin. E se o tipo de picos e crashes especulativos por que passou a bitcoin no último ano ocorrer então com a libra, os efeitos de transmissão à economia real serão potencialmente muito mais destrutivos. Como alerta Katharina Pistor num artigo para o Project Syndicate, as alternativas que se colocarão então aos estados passarão por deixar a libra colapsar, provocando uma crise financeira potencialmente semelhante a 2008 ou maior, ou intervir para a sustentar, para o que os recursos dos bancos centrais individualmente considerados serão provavelmente insuficientes.
Para além deste potencial de risco sistémico largamente acrescido, e das restrições que daí resultam para a autonomia política dos estados, a libra irá reforçar ainda mais o poder do Facebook sobre as nossas vidas, aumentando o manancial de informação integrada, e controlada por uma só empresa, sobre quem são os nossos amigos, quais são as nossas preferências, onde nos deslocamos e encontramos em cada momento e, neste caso, quais são os nossos padrões de consumo e despesa. Tendo em conta a recordação recente do escândalo Facebook-Cambridge Analytica, dificilmente isto é algo que devamos desejar.
Há poucas razões para desejarmos a chegada da libra e boas razões para que a devamos temer.