Não iremos falar aqui das gorduras derivadas no Natal. Mas falaremos um pouco das assim chamadas “gorduras do Estado”, … mas apenas porque é preciso atravessar esse velho e vazio conceito para chegar a um novo e cheio: As “gorduras do mercado”.
Houve um tempo em que em Portugal se promoveu a ideia que o que era preciso fazer para endireitar o país era “cortar nas gorduras do Estado”. Seria o Estado ele próprio a ter de fazer austeridade, e isso pouparia os cidadãos de terem de o fazer. Claro que isso era uma falácia, pois os as despesas do Estado Social entravam pelo lado das receitas na contabilidade das famílias enquanto beneficiárias dos sistemas de saúde, ensino, segurança social, transportes etc. Nos tempos da Troika afinal os consumos intermédios do Estado não desceram, e por vezes pelas piores razões. Pior: tal como aqui se demonstrado aqui e aqui, esses tempos desestabilizaram equilíbrios sociais e a gestão da dívida pública. Loose-Loose situation!
E agora se pensarmos nas gorduras do mercado? Bom, … isso implica de imediato distinguir e analisar duas coisas diferentes: 1) Por um lado, inércias e ineficiências dentro das organizações produtivas (empresas), e 2) Por outro lado, rigidez e atritos no encontro ajustado e justo de vontades entre compradores e vendedores.
Algumas compras de bens, contratação de serviços, e aquisição geral produtos intermédios pelas empresas em Portugal são um problema para a sua actividade normal. São obstáculos à eficiência. Mas, em boa verdade, o problema não são tanto os custos internos com o trabalho (ops!) mas podem estar a jusante, nomeadamente nas chamadas “indústrias de rede”.
Um trabalho pioneiro do INE (página 28) diz: “Entre as sociedades que consideravam as indústrias de rede como obstáculos elevados ou muito elevados à sua atividade, o custo associado era o principal obstáculo para a maioria das sociedades em quase todos os serviços. A exceção foram as telecomunicações e internet, onde o principal problema associado era a própria disponibilidade do serviço (38,5%) e onde a qualidade do serviço era o principal problema para uma parcela significativa destas sociedades (28,5%).”
E em termos de evolução: “Os indicadores mais elevados verificaram-se na eletricidade (0,14) e nos combustíveis líquidos (0,16), onde 29,5% e 29,1% das sociedades consideravam que estes pioraram (ou pioraram muito) enquanto obstáculos à atividade.”
Isto deverá levar a algumas reflexões (não só porque há custos não-preço num tipo de serviços de base como como há incrementos significativos em alguns outros tipos de abastecimento).
Mas mesmo assim isto não esgota o assunto. Nem todos os custos das empresas são externos: muitos são auto-induzidos. Exemplos?! Remunerações ulta-sumptuárias das empresas (que sobretudo mais visíveis e sobre-dimensionadas nas grandes empresas), pródigo híper-excesso de gastos em relações públicas (“investimentos” não-razoáveis em mega-eventos ou competições desportivas), ou ainda a dependência histérico-mórbida de consultorias e pareceres pagos a peso de ouro (para justificar decisões já tomadas pela Alta Direcção). E para onde são depois canalizados os “custos”? Para cima de quem são repercutidos as irracionalidades?
E tudo isto para quê, se há demasiada batota na “economia corporativa”?! Infelizmente falta informação estatística fidedigna aqui. Lembremo-nos que mais uma vez em 2017 grande parte dos colapsos de reputação empresarial são de fabrico próprio, com escândalos e quebras de confiança, e com bónus excessivos a recompensar má performance empresarial no “core business” das empresas. Para não dar exemplos nacionais olhemos para casos recentes de prestação de dados falsos sobre as suas ofertas tais como a VW ou a Nissan (aliás, não faltaram empresas japonesas a desencadearem crises de confiança no último ano). Uma análise feita à perceção da conduta das empresas diz que cada vez mais não são os “CEOs” em quem o público em geral mais acredita mais sim nos trabalhadores das empresas quando se trata de saber informação genuína (estudo aqui, que o Financial Times sublinhou e destacou aqui, infelizmente subscrição é necessária para aceder a este artigo).
Vai ser tempo de “desnatalizar” para as pessoas, depois dos costumeiros doces de Natal. Mas terá de vir o tempo para as empresas “desengordurarem” a economia depois de tantos excessos e lições não aprendidas. Desengordure-se a economia, pois.