Vem este texto a vários propósitos. Cada vez há mais razões para falar sobre a China e sobre o Oriente em geral. Aqui vou referir-me a cinco pontos: 1. O pretexto mais próximo é o evento, essencialmente de negócios, que é hoje promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa e que se vai tornando um momento de referência na sincronização de agendas entre as instâncias tomadoras de decisões dos dois países. A China é uma super-potência económica e um centro de gravidade global, pelo que ocasiões destas são importantes e necessárias. Que uma instituição de interesse partilhado como a CCILC o faça é de salutar. E, o que é mais, a velha relação histórica entre as duas culturas sublinha a boa hora em que esta nova tradição foi criada (esta “Gala” é apenas a 4ª vez que acontece).
2. A China não é, obviamente, uma entidade fácil de caracterizar. Ela tem, precisamente, “Características chinesas”. Um século depois da Revolução de Outubro na Rússia este é, para muitos, um estranho sucesso que sai de dentro de uma surpresa que vem de dentro de um mistério. Para “elites” ocidentais mais cheias delas próprias trata-se até de um desafio conceptual… afinal que país é este que parece ser uma espécie de Frankenstein ideológico-pragmático que alia autocracia comunista a capitalismo galopante?! Veja-se o artigo desta semana (assinatura necessária) de Martin Wolf, o economista-chefe do Financial Times, que costuma fazer artigos de excelência (embora, para variar, não seja este o caso). O Ocidente ainda não se habitou a ter de partilhar o lugar de condutor da História; os maus hábitos levam tempo a perder-se, já sabemos.
3. Talvez a melhor maneira de ver seja entender que a solução encontrada para este Estado-civilização (sim, a China é mais que um Estado-nação) seja a de “Leninismo de Mercado”. Esta solução foi encontrada por chineses (em especial Deng Xiaoping) com os materiais disponíveis há quase 40 anos, tais como as instituições políticas herdeiras da 3ª Internacional (adaptadas por Mao da experiência soviética) e os mecanismos económicos da 2ª Revolução Industrial (de matriz norte-americana e alemã). Entretanto, é inegável que o objectivo de desenvolver as forças produtivas foi conseguido, e um sinal indicativo é que o Ocidente despertou para o Oriente e ainda está um tanto sobressaltado. O Estado chinês tem promovido esta transformação e reconfigurado permanentemente o seu papel numa economia mista dinâmica.
4. A nova versão do texto constituinte do CPC que resulta do 19º Congresso fala de uma “nova era”. A expressão aparece 11 vezes no documento mas não é definida. No entanto, pode aparentemente supor-se que que esta era seja de pressão em termos climáticos, de envelhecimento em termos demográficos, de inteligência artificial em termos tecnológicos, de volatilidade em termos económicos e de re-equilíbrio global em termos geopolíticos. E nestas cinco frentes a China tem discurso e agenda: promove a “economia circular” e as energias alternativas, compromete-se com um redesenho da globalização à sua maneira, vai aprendendo o que custa gerir com prudência a modernização do sistema “tecno-financeiro”, vai tentando balancear a transição da estrutura geracional da população, etc. A China, que desde 2010 é o país que lidera consecutivamente mundo em número de novas patentes de invenção, é inovadora. É inevitável, portanto, que o mundo vá ganhando características chinesas. Vai ser toda uma nova aprendizagem.
5. Em Portugal esse processo de aprendizagem já começou há muitos séculos. Infelizmente, muitas isso foi e é ainda esquecido. Ainda bem que João Botelho, em mais um filme corajoso, reclama a ideia de arte como mensagem. A estreia da Peregrinação desse grande aventureiro Fernão Mendes Pinto é a prova que a memória tem muito futuro. O melhor de Portugal é abertura ao outro, pois quando isso aconteceu logo se percebeu que havia muito a aprender.