No passado mês de Abril decorreu em Tucson, Arizona, nos Estados Unidos, a célebre conferência sobre a consciência "Towards a Science of Consciousness". Esta conferência ocorre de dois em dois anos, e é uma das mais interessantes e arrojadas na área da ciência cognitiva, tendo participantes das áreas da neurociência, psicologia, filosofia, física, medicina e artes.
Em anos anteriores, a conferência foi organizada por David Chalmers (filósofo, agora na Universidade Nacional da Austrália) e Stuart Hameroff (médico e professor da Universidade do Arizona). Este ano foi organizada apenas por Hameroff.
A organização é excelente, a conferência dura uma semana e inclui workshops, plenários de manhã e cinco sessões simultâneas à tarde, apresentações em poster ao fim do dia, visitas ao deserto, um almoço e uma festa final. O ambiente é estimulante para todos, com o espírito aberto muito típico dos americanos mostrando o que têm de melhor. Este ano participaram, entre muitos outros, Michael Tye (Universidade do Texas, Austin), Andy Clark (Universidade de Edimburgo), Bernard Baars (Instituto da Neurociência em La Jolla, Califórnia), Wolf Singer (Instituto Max Planck para a Investigação sobre o Cérebro, Frankfurt), Susanna Siegel (Universidade de Harvard), Alison Gopnick (Universidade de Berkeley) e Rupert Sheldrake (biólogo e escritor que investiga a telepatia).
O estudo da consciência está ainda na sua infância, e ainda não há uma teoria ou paradigma aceite pela comunidade científica. A abertura e interacção entre as disciplinas é por isso a forma mais produtiva para todos os que participam neste tipo de estudos, e esta conferência providencia o ambiente ideal para essa interacção. Entre outros tópicos, falou-se de questões como a diferença entre "prestar atenção a algo" e "estar consciente de" (Michael Tye), do que significa ver algo ou não ver algo (exemplos de "change blindness"), e de variações feitas às experiências de Libet - experiências que indicam que, nalguns casos, a decisão de agir é tomada no cérebro antes da consciência dessa tomada de decisão (William Banks). Este último tópico foi muito abordado, sendo levado ao extremo no caso de exemplos que parecem indicar uma espécie de "pressentimento" do cérebro antes do estímulo, algo inexplicável que leva alguns a assumir a possibilidade de causalidade retroactiva ("backwards causation", Daniel Sheehan).
Wolf Singer propôs a ideia de que altos níveis de sincronia no cérebro poderiam ser responsáveis pela experiência da consciência, ideia também defendida por Stuart Hameroff. Bernad Baars falou da ideia de consciência global que desafia a distinção tradicional radical entre o interior do indivíduo e o meio ambiente. Na conferência também foram apresentados estudos científicos sobre estados alterados do cérebro, seja através de drogas, de meditação ou mesmo estados que existem nas experiências sexuais (Jenny Wade).
Por fim, Rupert Sheldrake apresentou alguns estudos sobre telepatia, nomeadamente sobre cães que sabem quando os donos decidem vir para casa, e ainda a experiência de ter alguém atrás de nós e a olhar para nós (o Journal of Consciousness Studies tem um número inteiro só sobre este último tema, "The Sense of Being Glared At", vol. 12, número 6, 2006). É opinião geral dos mais de 800 participantes, cerca de 300 apresentações, desde conferências a posters, e 500 que apenas são espectadores, que esta conferência é especial dentro deste meio, pela liberdade e quantidade de temas abordados no verdadeiro espírito aberto da ciência.
A próxima sessão será em 2010. Pode ver todos os resumos das apresentações no sítio da conferência de 2008, mediante o link abaixo.
Sara Bizarro
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