Na manhã seguinte à abertura do Congresso do PS, em Espinho, um assessor socialista mostrava-se radiante com a estratégia seguida para não terem deixado entrar os fotógrafos na zona reservada aos congressistas, na grande área do pavilhão. O que até hoje, em democracia, sempre aconteceu em todos os congressos de todos os partidos.
O resultado estava estampado nas páginas dos jornais da manhã de sábado: ali estavam as imagens neutras, bonitas, todas iguais, que davam a ver de frente o chefe projectado no grande vídeo-hall, a dimensão espectacular do congresso, sem haver fotografias intencionais que pudessem pôr em causa a solenidade da abertura.
Os fotógrafos, guardados por um assessor, foram autorizados a deslocarem-se ao meio do pavilhão, junto a uma câmara que dava de frente Sócrates a discursar. Puderam lá estar três rigorosos minutos, e voltaram escoltados de novo pelo assessor, para o lado mais distante do palco. No futebol está-se mais perto da baliza oposta do que ali durante a oratória de Sócrates.
A domesticação da imprensa visual funcionou. O Congresso foi visto de costas, não havia expressões de militantes enfadados, não se sabia onde estavam ministros e companhia, não havia retratos de conversas aos ouvidos, de olhares, de bocejos. Visto do alto da bancada, a mais de 100 metros de distância, Sócrates mal se via, encandeados que estavam os fotógrafos pela imagem gigantesca reflectida pelo video-hall. Melhor do que na Coreia do Norte, onde Kim Jong II consegue transformar a sua ridícula pequenes num homem aumentado a pantógrafo, de imagem fixa em tecnicolor comunista.
Foi tudo estudado ao pormenor no Congresso do PS. Depois de se ter salvo a brancura da abertura, Sócrates no sábado entrou, depois de almoço, pela frente do Pavilhão permitindo umas fotos rápidas no meio do povo. Depois não houve mais aproximação possível. Mas na manhã de domingo, quando a coisa estava a correr bem, os socialistas prepararam uma chegada triunfal de Sócrates.
Um grupo de velhinhas, que tinham viajado de autocarro socialista, esperavam Sócrates à saída do carro, os fotógrafos e cameramen podiam saltar-lhe em cima, entre atropelos e gritaria, sabendo os assessores que naquela altura a confusão ficava bem no retrato, mostrava envolvência, interesse, apoio, banho de multidão e dava a ideia que afinal Sócrates e congressistas tinham estado sempre acessíveis aos jornalistas. Competência, sem dúvida.
Na hora do encerramento os fotógrafos voltaram a ser escoltados até um canto do pavilhão e mais tarde conduzidos até ao meio, novamente junto a uma camara de televisão. Quando Sócrates era aplaudido os congressistas levantavam-se e os fotógrafos pura e simplesmente não conseguiam fotografar nada a não ser cabeças.
No final, eu e o Alfredo Cunha rompemos o cerco e avançámos para o palco. Um polícia da segurança de Sócrates agarrou-me um braço e empurrou-me, perante os meus protestos veio outro que me voltou a puxar pelo braço e um deles ameaçou prender-me. Claro que nada disto é grave porque é habitual a segurança tratar com este mimo os fotógrafos. É um clássico praticado por todos os gorilas de todos os partidos.
Mas o que aconteceu foi a menina que estrategicamente segurava num ramo de rosas avançou, numa marcação teatral perfeita, ao encontro de Sócrates, um grupo de congressistas jovens fez questão em posar com o líder para um telemóvel. Tudo decorreu num admirável plano sequência, num aparente caos, mas que estava controlado, marcado. Os fotógrafos nervosos, ansiosos por captarem um momento forte, também ali estavam como figurantes à volta daquele protagonista.
O Partido Socialista usou de uma arrogância e de uma falta de tolerância democráticas graves, intoleráveis num partido que gosta de falar em liberdade, mas que na hora preferiu usar aquela ideia de jerico de Pacheco Pereira há uns anos atrás, quando decidiu proibir a circulação de jornalistas nos corredores da Assembleia.
Luiz Carvalho, fotojornalista do EXPRESSO