O que têm em comum personalidades como António Barreto, Rui Veloso, José Walenstein, Souto Moura ou Herman José ? Muita coisa decerto; Mas há entre eles uma actividade recente que os comove: a fotografia. Na passada semana tendo estado com alguns deles, em circunstâncias diferentes, o tema da fotografia logo prevaleceu nas nossas conversas. Claro que tudo começa a discutir-se pelas máquinas fotográficas, esse objecto de culto fetichista que parece entusiasmar mais os amadores da imagem fixa do que os automóveis perante um grupo de quarentões mimados.
A fotografia digital converteu devotos ocasionais de cliques em amadores avançados.Fotografam tudo o que mexe à volta, tratam as fotos em programas de edição, puxam pelas cores, revertem a realidade em preto e branco, classificam as imagens, e muitos têm conta no Flickr onde exibem para o público em geral e amigos as suas habilidades fotográficas.
O conceito de partilha está implementado, com egos afagados em comentários de tribos, que gostam de gabar e marcar nos seus favoritos as imagens mais extraordinárias.Os meus interlocutores estavam numa fase de deslumbramento fotográfico e nem eram as novas plataformas de divulgação das imagens que os moviam. Era o puro prazer por fotografar com ferramentas que se afirmaram como máquinas amigas do utilizador, quer pelo preço, quer pela fiabilidade que demonstram." Se quiseres uma objectiva tenho ali!"- dizia-me um deles, enquanto outro confirmava, com o tom de quem tem alguma autoridade cultural, a qualidade da obra de Catrica...
A discussão sobre as vantagens da Lumix Lx3 sobre a Ricoh GR, ou da Canon G10 sobre a Sony, ou a simplicidade do iPhoto sobre o Photoshop, acaba por fazer aquecer o debate. O problema é que a evolução das máquinas foi de tal forma significativa nos últimos meses, que máquinas que se tinham afirmado na vanguarda das pequenas snapshots, acabou por tornar algumas ultrapassadas.
A democratização permitida pela fotografia digital é comparável à revolução industrial trazida pelo famoso Ford T ou se quisermos ser menos radicais, pelo Volkswagen Carocha. A facilidade com que se compra uma reflex munida de zoom com grande angular e tele, permite que cada curioso se sinta um fotógrafo.
Uma colega jornalista, com quem comentei este fenómeno de tanta figura pública se estar a tornar em fotógrafo ocasional, respondeu:" é uma loucura a fotografia. Anda tudo doido por fotografar e...cantar fado! Com o fado passa-se o mesmo: gravam-se todas as semanas dezenas de discos em Portugal!". Bom, já se sentia na fotografia um lado sentimental e o preto e branco, tão preferido pela maioria dos praticantes, acaba por ter um tom melancólico e saudosista, o mesmo que o fado acaba por transmitir.
Perante este entusiasmo fotográfico, só falta mesmo começarmos a ter uma cultura fotográfica, referências e critérios de avaliação, como existem mais ou menos estabelecidos, para as outras formas de expressão.
Um 2009 muito fotográfico.
Luiz Carvalho, fotojornalista do Expresso