Um professor de economia confessava-me esta semana, durante uma sessão de fotografia, que a história da sua infância que mais o comovia era a de um elefante que tinha comido um despertador e que nunca mais teve sossego. A máquina fazia-lhe o estômago e a vida numa permanente palpitação. E, como professor de economia, fazia logo a analogia com o que está a acontecer com empresas dos dias hoje, que gostam de comer outras mais pequenas (por vezes até maiores) sem terem cuidado em desmontar antes a papa em secções mais ou menos difíceis de digerir.
Que tem isto a ver aqui num blogue sobre fotografia? Muito. Infelizmente. A forma como as agências de fotografia têm sido devoradas por gigantes glutões como a Getty ou a Corbis, que adoram fotografias ao pequeno almoço e acabam o dia ceando portfólios de fotógrafos, até há pouco tempo afirmados como independentes, tem mudado o panorama do fotojornalismo mas também de outras áreas da fotografia de moda, publicidade, ilustração...todos os géneros que sabemos e queiramos inventar.
Este crescimento global da Getty e da Corbis criou uma rede de hipermercados da fotografia, um Lydl de imagens, compradas por vezes a custos zero e vendidas por três vinténs. O negócio está na quantidade movimentada, milhões de fotografias de arquivo, de fotografias sem pai nem mãe, de amadores ávidos por verem publicadas as suas habilidades, de profissionais falidos ou de jovens desempoeirados que dão tudo por uma oportunidade. Tudo regras da vida, mas que levadas a cabo com uma almofada financeira até agora confortável, tem permitido o ofuscamento de agências como a Gamma, a Sipa ou a Sygma (esta última facturava milhões de francos franceses há meia dúzia de anos), e começam a pôr em causa a rentabilidade de agências mais elitistas como a Magnum, a Seven ou a Noor.
Tal como na vida financeira, as grandes agências existem acima dos custos e conseguem impôr-se aos clientes da imprensa e de empresas porque praticam preços baixos com fotografias bonitas mas sem alma nem carácter, um fast-food de imagens. Os jornais, agora apertados pelos orçamentos baixos, preferem comer happy meal em vez de bife do lombo.
A forma muito fácil de importar fotografias destas agências também permite a existência de um mercado favorável.Ora, no meio desta confusão a Digital Railroad era um site muito interessante, um oásis fotográfico, que permitia o alojamento de fotógrafos independentes e de agências pequenas com uma produção original, muitas vezes com trabalhos comprometidas política e socialmente. Agências de referência como as americanas Redux e Seven ou como a Noor, para não citar fotógrafos portugueses e agências, ou o New York Times, que têm tido lá o seu arquivo pronto a comercializar na hora, acabam todos de levar a maior banhada ao saberem que a Digital Railroad acaba de falir. E todos os arquivos que lá estavam nos servidores estão neste momento indisponíveis. Para os proprietários e para os clientes!... Um apagão de fotografias.
Faliu. O negócio não deu, apesar de representarem milhares de clientes.
Um fotógrafo da Noor dizia-me em Perpignan, no mês passado, que a maioria das fotos que a agência vendia continuavam a ser comercializadas por...telefone. Parece que na hora os clientes preferem falar a fazerem um download e pagarem com o cartão de crédito.
Esta falência é um rombo monumental, porventura o maior até agora neste novo mundo da fotografia digital com todo o tipo de ferramentas acessíveis e rápidas para divulgar, vender e comprar imagens.
A Digital Railroad era a primeira e talvez a última esperança dos fotógrafos independentes e das agências de nicho não serem comidas pelo papão da Getty. A esperança morreu.
Luiz Carvalho, fotojornalista do EXPRESSO