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Rolling Loud Portugal: tão grande era o peso do som que Playboi Carti deixou-se ficar por baixo (ou a crónica de um playback sem vergonha)

Laços de família, estrelas de rock em construção e um britânico a jogar em casa na Praia da Rocha. E uma desilusão: Playboi Carti e o seu playback embaraçoso

Rolling Loud Portugal: Playboi Carti
Mickey Pierre-Louis/itchyeyephotos

Alexandre Ribeiro

Ainda com a tragédia do Astroworld, festival erguido pela visão de Travis Scott, bem presente na memória coletiva, não existe espaço para abébias nos eventos relacionados com música que tenham todos os holofotes em cima de si. Quando as pessoas que estavam na frontline do palco principal do Rolling Loud, em Portugal, começaram a ser esborrachadas momentos antes do concerto de Playboi Carti, a organização, naquela que foi mais uma primeira vez neste festival, decidiu agir e pedir que se privilegiasse a segurança e o bem-estar daqueles que ansiavam mais uma estreia em território português.

Contudo, quem jogou mesmo pelo seguro foi o autor de "Whole Lotta Red" – sim, é uma forma estranha de começar um texto sobre um dos nomes (e parte de uma geração umbilicalmente ligada ao SoundCloud) que anda a esticar os limites do rap desde que apareceu há alguns anos –, mas existem poucas maneiras mais assertivas de resumir o que presenciámos: as vozes pré-gravadas foram colocadas sem vergonha na frente e Carti só foi entregando uma série de gritos estridentes por baixo da gravação, sendo constantemente engolido pelos potentes instrumentais que eram disparados por um DJ invisível.

Ao fim de algum tempo, nem a base sonora aguentou a mesmice a que o rapper se entregou, caindo num vazio de onde só o guitarrista, a única pessoa que o acompanhou em palco, o tiraria aqui e acolá com recurso a riffs dignos de um membro de bandas como Metallica e Slipknot, por exemplo.

Rolling Loud Portugal: Playboi Carti
Sebastian Rodriguez

Porém, desengane-se quem ache que isto impediu os fãs – eram muitos, confirmamos – de abrir mosh pits e passar mais tempo no ar do que no chão; faltou mesmo foi coragem a Playboi Carti para não se servir do descarado playback perante aqueles que pretendiam ver mais do que um corpo em constante movimento mais preocupado com o que vestir do que com a performance vocal – não traduzir da melhor forma essa parte absolutamente fundamental e fascinante que ouvimos no seu trabalho de estúdio é, praticamente, um ato criminoso.

O álbum que lançou em 2020 foi a base para praticamente todo o espetáculo (“Stop Breathing” e “Rockstar Made” deram o pontapé-de-saída), não faltando a tal atitude que as rockstars modernas proclamam ter – mas que, neste caso, precisa de encontrar algum sustento na entrega do concerto. A mórbida despedida dar-se-ia com uma das poucas vezes em que se dirigiu ao público (bem, pelo menos com uma linguagem que fosse percetível): “se eu nunca mais vos vir, saibam que vos amo”.

Antes de Carti e Rocky, o palco principal recebeu duas das melhores atuações até aqui do festival. Em primeiro lugar, Baby Keem, peça imprescindível no ADN da estética de Mr. Morale & The Big Steppers, o mais recente disco de Kendrick Lamar, nem precisou de tirar o carapuço da sweatshirt da cabeça para criar esse caos saudável que qualquer rager pretende causar.

Rolling Loud Portugal: Baby Keem
Mickey Pierre-Louis/itchyeyephotos

Todo vestido de preto (porque a vida é um funeral…?), o jovem rapper e produtor não esboçou um sorriso, nem precisou de fazê-lo, assegurando uma performance quase imaculada em que pudemos constatar a proximidade entre a sua voz de estúdio e a voz de palco. Olhando para os seus projectos e para o alinhamento escolhido para a actuação em Portugal, The Melodic Blue mereceu mais atenção do que DIE FOR MY BITCH; e “vent”, “family ties”, “MOSHPIT” e “range brothers” foram combustível para incitar às constantes rodas que, neste caso, levantaram areia em vez de poeira, enquanto “lost souls” (que mereceu um a capella imprevisto por parte da plateia da parte de Brent Faiyaz), “issues” e “HONEST” falaram para um lado mais contemplativo – mas que não destoou.

Rolling Loud Portugal: Skepta
Kadeem Cobham

No regresso a Portugal depois de passagens pelo Lisboa ao Vivo, Vodafone Paredes de Coura e NOS Primavera Sound, Skepta apareceu com um look à DMX para garantir que a idade (está prestes a fazer 40 anos) só lhe trouxe mais-valias a todos os níveis, inclusive na parte dos vídeos que foram ocupando os ecrãs. Com Frisco, JME (para “That’s Not Me” e vindo de uma atuação em nome próprio no palco secundário) e outros membros da sua crew Boy Better Know a ocuparem uma parte considerável do espetáculo, o britânico arrasou com a concorrência quando se atirou a bangers sem prazo de validade como “It Ain’t Safe”, “Man” ou a sua participação em “Praise The Lord (Da Shine)”, nem precisando de ir a “Shutdown” para mandar a casa abaixo.