Nascidos mesmo no final dos anos 80, no tempo certo para se afirmarem como uma das mais consistentes bandas do shoegaze/dream pop/indie rock (não riscar nada) do arranque da década de 90, os britânicos Slowdive terão hoje, porventura, uma maior aclamação do que aquela que (não) encontraram na sua primeira vida, apesar do apreço da crítica pelos três álbuns que lançaram entre 1991 e 1995.
Precisamente a meio da década de 90, quando o britpop reinava com canções mais imediatas (e menos sonhadoras) de 'lads' a caminho do pub (na pior das hipóteses) ou de crónica de costumes (Blur, Pulp, os maiores), os Slowdive saem de cena pela calada e três deles (incluindo os vocalistas/guitarristas Neil Halstead e Rachel Goswell) formam os imensamente interessantes Mojave 3, já longe do magma sónico do shoegaze, mais próximos de uma certa folk americana. Uma outra carreira, uma outra discografia, uma outra banda.
Na segunda década deste século, o bastas vezes diabolizado shoegaze é reabilitado por uma nova geração sem medo de mirar as estrelas enquanto vislumbra os próprios sapatos, sedenta de riffs debitados como gotas de água, de cavalgadas elétricas que ganham peso devagarinho, crescendo como um trabalho de crochê, aspirando a um clímax que recompensa. Condições certas para o regresso dos Slowdive, que não demoram a entrar na rota dos concertos em Portugal (aqui mesmo, em 2014, no NOS Primavera Sound; um ano depois no Vodafone Paredes de Coura; em 2018 nas salas Lisboa Ao Vivo e Hard Club, no Porto, e outra vez em Paredes de Coura), e que reencontram o nicho de fãs da primeira hora, descobrindo os admiradores que fizeram o caminho inverso, chegando à matriz através de bandas como os DIIV (sim, lê-se 'dive') que, nem de propósito, passaram pelo Parque da Cidade do Porto no primeiro dia.
Com um excelentíssimo álbum lançado em 2017, o apropriadamente intitulado "Slowdive", a banda de Reading chega ao Porto com um alinhamento apuradíssimo, alternando entre o património da tal primeira vida, de 'Alison' a 'Catch the Breeze' ou 'Souvlaki Space Station, e as suculentas canções tecidas no regresso, como a abrasiva 'Star Roving' ou a irrecusavelmente ondulante 'Sugar for the Pill'. Num fim de tarde de calor amenizado por um ventinho pouco incomodativo, a massa sonora nem sempre serviu a plateia com pujança ('Star Roving', por exemplo, soou abafada), mas os méritos maiores dos Slowdive permanecem intocáveis: vocalizações harmonizadas e etéreas, trinados de guitarra capazes de desenhar constelações nuns céus que se preparavam para escurecer, um vagar infinito para largar telemóveis e movimentar, ligeira e saborosamente, a cabeça de um lado para o outro. E e um grand finale de eletricidade empertigada, de improvável orquestra sónica, de êxtase vespertino que apetece conservar. Ou, noutras palavras: foi bonito.