O ritmo vertiginoso a que João Vasconcelos se move tem-no levado, dentro e fora de Portugal, aos mais variados eventos ligados à “indústria” das startups e do empreendedorismo. No dia em que recebeu o Expresso, na passada terça-feira, teve de almoçar uma bifana no gabinete da Rua da Horta Seca, sede do Ministério da Economia, em Lisboa, porque a agenda está sempre preenchida. O pretexto para a conversa: apresentar os objetivos e medidas da estratégia nacional de empreendedorismo — a Startup Portugal — que será lançada na segunda-feira no Porto, num evento que, além do secretário de Estado da Indústria, contará também com a presença do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.
O que pretendem com o lançamento da Startup Portugal?
Esta estratégia visa resolver questões que o Governo e algumas organizações internacionais, como a Comissão Europeia, a OCDE ou a Moody’s, tinham detetado. Não temos falta de empreendedorismo em Portugal. Temos um dos maiores índices europeus de criação de empresas. Em abril nasceram 3,4 novas empresas por cada uma que foi encerrada. Somos um povo empreendedor e que arrisca, o que é visível nas centenas de milhares de pessoas que emigraram na última crise. O nosso principal problema é que muitas das empresas que estão a ser criadas morrem e têm menos impacto na economia e na criação de emprego do que nós queremos. Há uma elevada taxa de mortalidade de pequenas e médias empresas recentes. A Startup Portugal foca-se neste problema e abrange todo o país. Não é um programa de estímulo ao empreendedorismo para fazer com que todos os portugueses pensem criar empresas. É sim um programa para quem já apostou em ser empreendedor, mesmo que não tenha ainda criado uma empresa.
O que é que tem levado à morte dessas empresas em Portugal?
Além de problemas de gestão ou de mercado, há a questão do financiamento. As empresas nascem endividadas e enfrentam um custo fixo de remuneração da dívida que leva a problemas de tesouraria e de exigências de capital. Por isso vamos lançar o programa Semente, que tem a ver com benefícios fiscais individuais para quem investe nas empresas. Na maior parte das vezes os investidores são os chamados três ‘F’ — Friends, Family, Fools (amigos, família, tontos). Teremos benefícios fiscais para que haja mais destes investidores. Também são contemplados os fundos de coinvestimento dos business angels e capitais de risco. Permitem que a empresa se capitalize com montantes elevados sem ficar com encargos de juros e destinam-se a investimentos na fase inicial. Além de capital, trazem também competências na área da gestão, desenvolvimento de produto...
Haverá incentivos para os próprios empreendedores?
Sim, vamos lançar o Startup Voucher, que se destina a ideias de negócio que tenham pelo menos dois empreendedores. Os selecionados podem auferir €690 por mês cada um até um ano para estarem a tempo inteiro a desenvolver o seu projeto. Depende muito de sector para sector. As convocatórias (call for entrepreneurship) da Portugal Ventures vão continuar mas mais especializadas. Queremos que isto aconteça não só em Lisboa, Porto e Braga, mas que se alargue a todo o país e a todos os sectores.
Como é que pretende garantir essa cobertura nacional?
Vai ser criada a Rede Nacional de Incubadoras, que permitirá fazer, pela primeira vez, um levantamento do que existe no país (universidades, câmaras, associações comerciais, empresas, etc.). Esta rede vai ter muitas das responsabilidades da administração central. Por exemplo, vai ser o júri dos Startup Vouchers. Vai também ser criado um vale de incubação (€5 mil a que a empresa se pode candidatar para pagar as suas despesas nas incubadoras). Com esta rede vamos ter a noção do que falta fazer. Há regiões e sectores onde vai ser preciso criar incubadoras. Por exemplo, há muito a fazer na agroindústria e hortofrutícolas, moda, comércio eletrónico, equipamentos industriais... Esta rede vai poder partilhar mentores, investidores, realizar eventos, criar incubadoras de nicho. Teremos massa crítica para criar protocolos com outras redes de outros países e trocar empreendedores. E vamos tentar atrair mais startups estrangeiras para Portugal, que poderão vir pela mão de incubadoras internacionais, como a Second Home, que virá para Lisboa, ou espaços de cowork como o Porto I/O, criado por iniciativa de um inglês.
Porquê esta rede de incubadoras?
Queremos que as empresas se desenvolvam numa comunidade. A partilha de conhecimento é fundamental. Vamos também avançar com uma rede de Fablabs (laboratórios para protótipos).
Já anunciou a constituição de um grupo de trabalho para apontar mudanças legislativas para acompanhar as mais recentes tendências tecnológicas...
Sim. Queremos que haja legislação até ao final do ano que permita fazer testes e pilotos para o carro autónomo. O mesmo pode acontecer quando falamos de drones ou das financeiras tecnológicas. Temos o caso da Seedrs, a maior equity crowdfunding da Europa fundada por um português, Carlos Silva, e essa área não está regulamentada em Portugal.
Uma das queixas dos empresários é a carga burocrática...
Estamos empenhados em facilitar a vida a quem quer criar um negócio. No Simplex há 250 medidas para todos os tipos de empresas. Não podemos exigir a uma microempresa que existe há seis meses o mesmo nível de burocracia e de relatórios que exigimos a uma empresa que existe há 20 anos e tem 100 pessoas. Facilitar os vistos para os ‘cérebros’ estrangeiros (fora do espaço Schengen) é outra medida importante para atrair empreendedores.
Tem havido resistência dos vários ministérios às medidas do Simplex?
Reconheço que é uma tarefa difícil. Se fosse fácil já estava feito. Mas a ministra Maria Manuel Leitão Marques já provou que consegue.
E o que está previsto fazer para ajudar à internacionalização destes negócios das startups?
O maior foco é a Web Summit, que terá impactos além dos três dias de realização do evento em Portugal. Todas as semanas recebo contactos de empresas e investidores de todo o mundo a perguntar o que está a acontecer em Portugal. Os escritórios da Portugal Ventures em São Francisco, Boston e Londres vão estar abertos a qualquer startup portuguesa para apoio logístico, o que permite ter uma morada nesses sítios. Vamos também passar a incluir startups nas visitas oficiais, o que nunca aconteceu. Vou mais o ministro da Economia a Bruxelas apresentar a Startup Portugal e a Londres, a meio do mês, para atrair startups de Inglaterra. Queremos atrair mais incubadoras estrangeiras para Portugal. Vamos também fazer um roadshow nos Estados Unidos. Todas as medidas da Startup Portugal serão aplicadas de igual forma aos portugueses e aos estrangeiros. Muitas destas medidas vão permitir o regresso dos jovens que emigraram durante a crise. E vamos ter uma representação de Portugal nas maiores feiras tecnológicas do mundo, como a CES (Las Vegas), a Cebit (Hannover) ou o World Mobile Congress (Barcelona).
O que vamos poder dizer a quem nos visitar em novembro no âmbito da Web Summit?
Em primeiro lugar, que podem vir para cá montar os seus negócios, temos um ecossistema a funcionar, mentores, ligações ao mundo e um bom estilo de vida. E nós não queremos aqui os departamentos técnicos, mas sim empresas que trazem os seus CEO, os departamentos de vendas, o marketing, o departamento financeiro... Depois, temos cá investidores. Estamos a fechar a negociação com um grande fundo europeu de coinvestimento com business angels. E já lançámos alguns instrumentos de financiamento.
“Ainda estamos numa fase muito cor de rosa do empreendedorismo”
Já deixou de ser uma moda mas, mesmo assim, o ecossistema do empreendedorismo está longe do “ponto ideal”, diz João Vasconcelos, para quem “Portugal é possivelmente o melhor sítio na Europa para se iniciar um negócio digital”.
Disse recentemente que as startups são a melhor solução para o desemprego. Mas não conta ter resistências dos partidos mais à esquerda que apoiam o Governo — PCP, Bloco de Esquerda e Verdes — na estratégia de empreendedorismo que o Governo vai lançar?
Em Portugal 50% do novo emprego está a ser criado por empresas com menos de 5 anos. Qualquer partido, de esquerda ou de direita, assume que tem de haver políticas específicas para estas empresas, pois a criação de emprego é uma prioridade de todos os quadrantes políticos. É claro para todos que as principais fontes de inovação vêm das novas empresas. Há preocupações desses partidos que comungo, nomeadamente a de que no empreendedorismo não deve imperar a lei do mais forte ou a de que “se não és empreendedor, não prestas para a sociedade”. Nem todos temos de ser empreendedores.
Quando se pergunta aos empresários porque não investem mais, eles culpam a burocracia e também a carga fiscal…
Os empresários nunca estão satisfeitos e ainda bem, tentam sempre ser mais eficientes. Temos de ter a noção de que nunca vamos ser dos países mais competitivos do mundo em termos fiscais, nem nos preços da energia nem da mão de obra, não é esse o modelo em que vivemos na Europa.
O modelo de tentar atrair grandes projetos industriais para Portugal, como a Autoeuropa, está posto de parte?
Posto de parte não está, todo o investimento estrangeiro é necessário e bem-vindo. É preciso ver que os únicos projetos desse género que estão a aparecer na Europa são deslocalizados de uns países europeus para outros. Há duas fábricas automóveis em construção em Marrocos, não seria competitivo fazê-las na Europa. O que podemos pedir é uma Autoeuropa do mundo digital, da robótica, da eletrónica, da ciência, das farmacêuticas porque nessas áreas, pelo menos durante os próximos 20 anos, Portugal vai ser atrativo. Por exemplo, nunca uma empresa como a Bosch tinha vindo desenvolver produto para Portugal. Isso é único, é uma mudança de paradigma. Empresas que há 30 anos faziam assemblagem de peças em Portugal passaram a desenvolver produto. É aí que o país se quer colocar.
No início deste governo avolumaram-se as dúvidas em torno do país na sequência da reversão de algumas operações feitas pelo anterior governo e também devido a problemas na banca. Isso não afetou a imagem de Portugal prejudicando a captação de investimento?
Isso não se sente em nenhuma área, temos tido imensas manifestações de vontade de investimento.
Os últimos dados económicos mostram que o investimento em Portugal não cresce.
Isso está a acontecer por toda a Europa, não é só em Portugal. Acho que isso foi mais um discurso político de um momento muito tenso da política portuguesa. Para as startups isto é um momento único e fabuloso. Portugal não é bom em tudo, temos de afinar a maneira como nos vendemos lá fora. Em muitas indústrias estamos longe da matéria-prima e do cliente final e aí não vamos ser competitivos. Onde somos mais competitivos é em todos os produtos e serviços onde há grande incorporação de inteligência e conhecimento. Portugal é provavelmente o melhor sítio na Europa para se iniciar um negócio digital. Não só pela infraestrutura tecnológica e científica, mas também por termos a geração mais qualificada de sempre, uma qualidade média de inglês acima dos nossos principais vizinhos, estamos no mesmo fuso horário de Londres, temos voos low cost para grande parte das capitais europeias e somos um povo habituado a lidar com culturas diferentes há centenas de anos. A Cisco ou a Nokia descobriram isso há uns anos, pelos seus próprios meios. A diferença agora é que há uma estratégia pública. E uma coisa boa é que isto não está a acontecer só em Lisboa. Ainda recentemente foi inaugurado um centro da Fujitsu em Braga. A IBM tem centenas de pessoas em Tomar e vai ter mais em Viseu. Isto é único: a Altran no Fundão, ou a Outsystems em Proença-a-Nova, a ACIN tem na Ribeira Brava, na Madeira, muitos engenheiros e faz a gestão de parques de estacionamento de vários países a partir dali.
Não caímos também no risco de estar a criar uma bolha em que toda a gente acha que consegue criar um negócio?
Acho que já passámos a fase de isto ser uma moda, mas ainda não chegámos ao ponto ideal do ecossistema, ainda estamos numa fase muito cor de rosa. Muitas empresas destas de que andamos a falar vão fechar. Um ecossistema maduro tem muita empresa a abrir e muita empresa a fechar. Em cada mil empresas poderemos ter uma Farfetch. Precisamos então não de ter mil mas sim 10 mil para aparecerem 10 Farfetch.
Não há então aqui um “otimismo irritante” em torno das startups e do empreendedorismo?
Não. Eu conheço as dores destes processos. Em Silicon Valley, nove em cada dez empresas fecham. Temos todos também de ter a noção — sociedade, decisores, governo, imprensa — de que às vezes falamos de coisas que não são nem nunca serão negócios. Fazemos muitas reportagens sobre ideias giras, com piada, mas entre uma ideia gira e uma empresa boa há um milhão de fatores. Na Startup Lisboa em cerca de 200 empresas que apoiámos enquanto lá estive houve ideias fabulosas que nunca deram um euro e ideias sem jeito nenhum que faturaram muito. Uma das piores ideias é a maior empresa que saiu de lá, a Uniplaces — fazer um site para arrendar quartos para estudantes? Que raio de ideia era essa? Já havia muita coisa idêntica, mas o que fez a diferença nesse caso foi a execução.
PERFIL
João Vasconcelos começou cedo a ter responsabilidades empresariais. Aos 18 anos já dirigia o parque aquático de Vieira de Leiria, um negócio da família. Depois, passou a estar ligado ao lançamento de incubadoras na região de Leiria. A mais conhecida foi a Open, na Marinha Grande, ligada ao sector dos moldes. Protagonismo que o levou a ocupar o cargo de vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). Seguiu-se uma passagem pelos corredores do poder como assessor no Governo de José Sócrates. Nos últimos anos tem estado próximo de António Costa. O ex-presidente do município de Lisboa chamou-o em 2011 para lançar a incubadora Startup Lisboa. E agora, como primeiro-ministro, convidou-o para secretário de Estado da Indústria