Portugal passa a contar, a partir do próximo sábado, com seis cardeais, quatro dos quais possíveis eleitores num próximo conclave, com Américo Aguiar, o nomeado bispo de Setúbal, a chegar ao cardinalato antes de completar 50 anos.
O principal rosto da organização da Jornada Mundial da Juventude que se realizou em Lisboa em agosto assegura, em entrevista conjunta à agência Lusa e à agência Ecclesia, não ter "expectativa nenhuma" em relação à sua elevação a cardeal, reconhecendo que os primeiros sentimentos que sentiu quando, a 9 de julho, foi conhecida a sua nomeação, "foram de medo, foram de incapacidade", foram de se sentir um "danoninho".
Rapidamente, porém, surgiu a confiança. "Eu tenho uma coisa - que mesmo quem porventura não me aprecia [reconhece] - que é quando tenho um desafio entrego-me na totalidade a esse desafio, aprendo e tento corresponder e é nessa disponibilidade que vou responder ao desafio", assegura.
Américo Aguiar viu a sua nomeação para o colégio cardinalício como "um gesto de homenagem aos jovens, aos jovens portugueses envolvidos na preparação da Jornada Mundial da Juventude, por quem o Papa sempre manifestou grande carinho, grande homenagem, grande gratidão nos quatro anos" em que decorreu a preparação do encontro mundial de Lisboa.
Quase dois meses depois da Jornada Mundial da Juventude, o principal rosto da organização, bispo Américo Aguiar, diz que "ainda é preciso tempo" para falar sobre os momentos mais difíceis vividos na preparação do encontro mundial com o Papa.
"É preciso tempo, porque os mais difíceis envolvem sempre pessoas e eu acho que não é justo, porque posso estar a ver mal, posso estar ainda com calor e com a ferida e, portanto, acho que não é o tempo", diz Américo Aguiar, em entrevista conjunta à agência Lusa e agência Ecclesia.
Abertamente, para já, diz que houve "dificuldades, problemas", quer na Igreja, como na relação com instituições.
No entanto, faz questão, também, de contrapor com o entusiasmo que encontrou, nos dias da Jornada, nos muitos profissionais de diversas setores com os quais contactou.
Uma das mais fortes mensagens deixadas pelo Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude de Lisboa foi a de uma Igreja para "todos, todos, todos", mas Américo Aguiar avisa que não se pode traduzir por "tudo, tudo, tudo".
"Isto é um caminho que estamos a fazer. Aliás, escusado será dizer que, quanto mais o Papa dizia 'todos', mais eu ficava feliz. E quando em Fátima, o Papa diz - e ele é magnífico, porque tem os textos que estão feitos e, a certa altura é capaz de ler a sua audiência e o contexto e rapidamente se focar - que a Igreja é como esta igreja [Santuário de Fátima], não tem portas, toda a gente entende. Nós não temos o direito de barrar a ninguém o acesso a Cristo", explica Américo Aguiar.
O homem que, a partir de sábado, passa a integrar o grupo de cardeais da Igreja Católica é, no entanto, perentório a alertar: "Agora, 'todos, todos, todos' não se traduz por 'tudo, tudo, tudo'. Quem ama, quem quer, quem cuida, sabe que o Pai ama, quer e cuida, [mas] isso não quer dizer tudo, tudo, tudo".
"Ou seja, o nós chamarmos a atenção, o nós corrigirmos, o nós termos considerações, não significa menos amor, menos entrega e menos dedicação, pelo contrário. Portanto, o 'todos, todos, todos', na minha interpretação, é que nós não temos o direito de vedar a ninguém o acesso a Cristo", diz Américo Aguiar.
"A partir do momento em que a pessoa chegou a Cristo, o meu trabalho, a minha fé é que Cristo opere no coração dessa pessoa e a converta", acrescenta.
Defensor assumido das ideias do Papa Francisco, Américo Aguiar reconhece os momentos difíceis que a Igreja Católica atravessa atualmente, com as divisões entre as chamadas alas progressista e conservadora.
A poucos dias do início da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que vai decorrer de 4 a 29 de outubro, no Vaticano, o futuro cardeal sublinha que o Papa avisa que "o sínodo não é um parlamento, em que chegam lá as várias fações, cada uma conta as espingardas (...) e ganha a maioria".