O ano que está a terminar pode ser recordado, no mundo do vinho, de várias maneiras. Por um lado, há muita gente a queixar-se das dificuldades do negócio, sobretudo os que têm adegas cheias de vinho que não há maneira de ser escoado. A dificuldade nas vendas prende-se também com a quebra no consumo. Parece que estamos a consumir menos vinho, quer aqui quer nos mercados para onde costumamos exportar. Uma estatística muito recente dá conta que a percentagem de americanos que não consomem bebidas alcoólicas subiu de 54% para 57%; entre evangélicos de todas as matizes e outros mais recentes talibãs antialcoólicos, esta quebra corresponde a muita, muita gente. É claro que já se está mesmo a ver quem, por lá, esfrega as mãos de contente… Já em França, na zona de Bordéus, fala-se em arranque de cerca de 2000 ha de vinhas para poder equilibrar a oferta e a procura. Aquela zona só é famosa e rica para alguns (muito poucos) dos 8000 châteaux que preenchem a região. Pense só quantos nomes conhece (que já tenha provado ou ao menos que tenha ouvido falar) e depois veja a distância que vai até aos 8000! O vinho, cada vez mais ancorado nas grandes superfícies, tende a ser um negócio de volume (alto) e preço (baixo), uma verdadeira máquina trituradora que poucos produtores têm capacidade de enfrentar. Se juntarmos a isto o vinho a granel (que é um negócio de cêntimos), percebemos melhor que algumas empresas graneleiras se desmoronem como castelos de cartas de um dia para o outro. E, sem poder avançar nomes, que os negócios (ainda) não estão fechados, é de esperar que em 2024 alguns grupos que tínhamos como sólidos, se desfaçam num fósforo. O ano que agora termina viu ruir um mito, por muito tempo alimentado pelo grupo Taylor/Fonseca/Croft. Desde sempre ligado exclusivamente ao Vinho do Porto, com um património de quintas grandes e pequenas que não pára de aumentar, o grupo assumia que apenas queria estar ligado ao Vinho do Porto, gracejando que não queria nada com os ‘vinhos de pasto’. Diz o povo que no melhor pano cai a nódoa e o tal mito desfez-se com a compra das propriedades e marcas da Ideal Drinks — Quinta da Pedra, Colinas, Principal — passando agora a estar presente nos Vinhos Verdes, Dão e Bairrada. É o que se chama, uma entrada de leão. O ano fica também marcado por muitas compras e muita mudança de proprietários, umas vezes por compra total, outras por aluguer. O Douro continua apetecível mas há várias outras regiões a serem cobiçadas, contrariando a ideia que o negócio do vinho está difícil. Um dia alguém nos vai explicar isto bem explicadinho. Já agora o ‘explicador’ pode também, por atacado, procurar justificações para este fenómeno que assola a produção: agora, quem não puser no mercado um vinho a centenas de euros a garrafa, é um zé-ninguém. Deve ser magia já que é difícil de entender. E não vale a pena perguntar ao produtor se vendeu as suas garrafinhas supercaras porque ele vai mentir com um grande sorriso: vendi tudo num instante! Quando eu era pequenino, mentir dizia-se que era pecado; agora, como até os dirigentes políticos mentem à força toda, já estamos habituados. Perdoai-lhes, Senhor!
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Vinhos: um ano e tanto, para alguns... outros falam em sufoco
João Paulo Martins faz o balanço