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Por que razão há uma corrida aos cruzeiros de luxo?

Na crónica ‘Sem Preço’, Catarina Nunes escreve sobre a experiência no mais recente navio de luxo, o Explora I, que engrossa um dos segmentos de turismo que mais cresce

O Explora I é o resultado da aposta do grupo MSC nos cruzeiros de luxo
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Aviso à navegação: esqueça os cruzeiros com milhares de pessoas, filas em buffets, interiores de gosto duvidoso, festas temáticas, noites de gala e chinfrineira um pouco por todo o navio. A crónica desta semana é dedicada ao mais recente navio de cruzeiros de luxo, que deita por terra este imaginário e engrossa um dos segmentos de turismo que mais cresce no pós-pandemia.

A entrada é feita pelo lobby, em tudo idêntico à atmosfera de um hotel de luxo
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Curiosamente, o Explora I é idealizado no MSC, um dos maiores grupos de cruzeiros massificados, o que indicia o potencial de conciliar dois conceitos aparentemente opostos: navio de cruzeiros e luxo. Uma capacidade para cerca de 900 passageiros, face ao número médio de 4 mil passageiros nos cruzeiros convencionais, pode ainda assim fazer torcer o nariz aos mais puristas. Mas a verdade é que no itinerário Southampton – Edimburgo, que integra parte do cruzeiro no Reino Unido, a experiência é mais próxima de uma estadia num hotel de cinco estrelas do que num navio barulhento e sobrepovoado.

A entrada no Explora I é feita no piso quatro, através de um lobby em tudo idêntico à atmosfera de um hotel de luxo, com um bar e uma zona de estar sofisticada, com inúmeras obras de arte. Esta vertente, aliás, é uma aposta clara com uma galeria no piso cinco, que expõe obras de artistas originários dos países de destino do cruzeiro. Junto ao lobby encontram-se ainda lojas próprias da Cartier, Panerai, Piaget e Rolex. A par com estas relojoarias há um amplo espaço de retalho multimarca com insígnias de roupa e acessórios menos conhecidas, focadas na sustentabilidade de luxo e no apoio a causas sociais.

As suites Ocean’s Residence têm 70m2 de área e incluem mordomo privado
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A caminho das zonas dos quartos o que capta mais os sentidos é o cheiro a novo e as carpetes e paredes sem máculas, ou não fosse esta apenas a segunda viagem do navio estreado comercialmente a 1 de agosto no percurso entre a Dinamarca e a Islândia. As madeiras escuras, a iluminação quente e o mobiliário de design contemporâneo predominam nos espaços públicos, projetados por reconhecidos estúdios de arquitetura e design de interiores, o italiano De Jorio Luxury & Yachts e o britânico Nenmar, que dão ao Explora I um ambiente acolhedor.

Em linha com as zonas comuns estão as cabines, em que quanto mais reduzidas são as quantidades, mais e maiores são as áreas e os luxos disponíveis. No total são 461 suites (ou casas no mar como se auto-intitulam) com varanda ou terraço, entre as 301 Ocean Terraces (a categoria mais baixa), passando pelas 70 Ocean Grand Terrace, as 67 Ocean Penthouses, as 22 Ocean Residences e uma Owner’s Residence, no topo das categorias. Os alojamentos incluem ainda 82 suites comunicantes, direcionadas para quem navega em família ou com amigos. As áreas variam entre os 35m2 (Ocean Terraces) e os 280m2 (Owner’s Residence), passando pelos 43m2 (Ocean Penthouses) e 70m2 (Ocean Residences).

Com 35m2 de área, as suites Ocean Terrace são a categoria mais baixa e dão direito a champanhe Veuve Clicquot
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Fico instalada numa das 301 suites de categoria mais baixa, e por isso de menor dimensão, que tem uma área perfeitamente suficiente, dividida entre as zonas de dormir e de estar, a casa de banho e um roupeiro walk-in com toucador. À semelhança da origem da família (Aponte), proprietária do MSC e do Explora I, e do estaleiro (Fincantieri) onde este navio foi construído, os interiores das suites são mobilados por uma das marcas italianas de referência, a Molteni&Co, enquanto as respetivas varandas ou terraços têm chaises-lounges, mesas e cadeiras da belga Manutti, especialista em mobiliário de exterior. A italianidade está presente ainda na roupa de cama da Frette, cujos conjuntos de lençóis variam entre os €1.000 e os €3.500.

As boas vindas no quarto são dadas com uma garrafa de champanhe de uma das marcas do grupo LVMH, Möet&Chandon, Veuve Clicquot ou Dom Pérignon, dependendo da categoria da suite. Mas o que mais me enche as medidas é a vista panorâmica para o mar...e os chinelos de quarto do meu tamanho. É que este detalhe é um barómetro para o nível de luxo de um hotel de cinco estrelas, onde frequentemente se encontra apenas chinelos unissexo, que fazem tropeçar nos próprios pés quem calça abaixo do 40 e muitos. Outro dos aspetos que não negoceio é a temperatura do quarto. Ou melhor, a possibilidade de desligar completamente o ar-condicionado, que no caso do Explora I não é possível. Ou nenhum dos empregados o conseguiu fazer.

Há apenas uma Owner’s Residence, que com 280 m2 é maior do que muitas casas
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Segundo aviso à navegação: não sou fã de cruzeiros e a minha primeira experiência antes desta, há cerca de quatro meses, confirma o imaginário descrito no início desta crónica. Na viagem entre Southampton e Edimburgo faço as pazes com os cruzeiros, não só pelas características do navio, como pela informalidade do ambiente e a quantidade de passageiros. No total somos 500, pouco mais de metade da capacidade máxima (900), entre imprensa internacional, elementos da empresa que detém o navio, operadores e agentes de viagens e clientes pagantes. Não se trata, por isto, de uma amostra representativa da frequência expectável nos próximos cruzeiros. É evidente o predomínio de casais acima dos 60/70 anos, alguns um pouco abaixo, e a ausência de crianças, além de um bebé com os pais. A combinação perfeita para quem procura silêncio, recolhimento e abrandar o ritmo de vida.

Estes são, aliás, os aspetos que estão a fazer crescer a procura de cruzeiros com o perfil do Explora I, impulsionados pelo boom no pós-pandemia nas viagens de barco, em particular em super-iates e veleiros com tripulação, empregados e cozinheiro. Apanhar esta onda não é o propósito da Explora Journeys, empresa do grupo MSC criada em 2019, quando ainda não se ouvia falar em covid-19. É antes o sonho de longo data da família Aponte de criar uma marca e experiência de viagem marítima de luxo, que redefina a categoria, não estando relacionado com o consumo de cruzeiros no pós-pandemia, garante Eduardo Cabrita, diretor-geral da MSC Cruzeiros e da Explora Journeys em Portugal. A ambição é tanta que há mais cinco navios de luxo na calha (Explora II, III, IV, V e VI), que irão para o mar a partir de 2024 e até 2028, quando a frota estará completa.

O Anthology serve um menu de Mauro Uliassi, chef com três estrelas Michelin (€190 por pessoa; €75 de harmonização de vinhos)
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Até à data, a Explora Journeys tem dado os passos certos. A empresa está sedeada em Genebra, na Suíça, a referência mundial em hospitalidade de luxo, e entrega o desenho do perfil exterior dos novos navios a Martin Francis, arquiteto e designer britânico autor do icónico iate ‘Eco’, criado em 1991 para o magnata mexicano Emilio Azcárraga. A razão desta escolha é o desejo que os Explora estejam alinhados com a estética dos super-iates, em detrimento dos navios de cruzeiros tradicionais. Pode-se dizer que o objetivo é conseguido, com os 14 decks (em vez de 18 a 20), o casco preto (ao contrário do habitual branco) e as linhas mais estilizadas.

A reinvenção dos cruzeiros não se faz só com a estética. Para quem como eu foge de comida industrializada e de self-services, o Explora dá a volta à questão com seis restaurantes dos quais apenas um é em buffet. A comida, no entanto, é empratada por empregados ou confecionada no momento, garantindo a frescura, enquanto as bebidas são pedidas e servidas à mesa. O ponto alto na restauração é o Anthology (pago à parte), com um menu de alta cozinha com 10 momentos, idealizados pelo chef Mauro Uliassi, que tem três estrelas Michelin no restaurante Uliassi, em Senigallia, em Itália. Há ainda 12 bares (oito no interior e quatro no exterior), uma pastelaria e uma gelataria/creperia. À semelhança dos hotéis de cinco estrelas, o room-service e o pequeno-almoço no quarto estão disponíveis, sem custos extra.

O spa de 700m2 tem área termal, nove salas de tratamento e salão de cabeleireiro e barbearia
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A par com a gastronomia há um direcionamento para o bem-estar, beleza e exercício físico, que não são deixados em mãos alheias. O spa com 700m2 tem área termal, um salão com serviços de cabeleireiro e de barbearia e nove salas de tratamentos, com produtos Aromatherapy, Dr.Levy, The Tides e Knesko. Uma das áreas mais concorridas é o centro de fitness de 270 metros quadrados, com equipamentos da TecnhoGym (incluindo aparelhos de pilates), abrangendo aulas de grupo diariamente e treinos personalizados. No exterior, há uma pista de corrida, um campo de touch tennis e basquetebol, bem como máquinas de treino cardiovascular e estações para exercícios de força.

O que acontece no espaço disponível importa tanto como o tamanho do navio, principalmente ao ar livre, que ocupa 6.250m2 do total de 16.600m2 de espaço público. É numa forma muito própria de viver um cruzeiro, que a Explora Journeys apelida de ‘Ocean State of Mind’ (um estado de espírito de reconexação e criação de memórias com o oceano como pano de fundo), que se apresentam as possibilidades para os apaixonados pelo mar. Há várias áreas exteriores que colocam o oceano no centro da vivência, como as 64 cabanas privadas e os jacuzzis aquecidos (exteriores e interiores) com vista para o mar, além das quatro piscinas igualmente aquecidas (uma delas com uma cobertura em vidro). Nesta matéria, o responsável pelo projeto do Explora I podia ter sido mais generoso no espaço atribuído às piscinas, que têm uma dimensão reduzida, tendo em conta as 900 pessoas que o navio alberga com ocupação completa.

Ao ginásio com aulas de grupo e aparelhos de pilates soma-se uma área de treino ao ar livre
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Cerca de metade dos novos navios de cruzeiros em 2023 são de luxo e de menor dimensão, com uma capacidade que pode variar entre os 930 e os 100 passageiros, segundo dados do relatório Luxury Cruise Market 2023, que comprovam que este segmento é dinamizado por haver mais navios de topo. Não são só as linhas de cruzeiros convencionais que estão a construir embarcações para o público mais exigente e com capacidade financeira à medida. Também os grandes grupos de referência na hotelaria de ultra-luxo querem o seu lugar nos oceanos, como o Ritz-Carlton Yatch Collection com o super-iate Evrima, que faz a viagem inaugural com partida de Lisboa, em novembro de 2022. O próximo a entrar na navegação é o Four Seasons Yatch, em 2025, e os grupos Orient-Express e Aman, em 2026, entre outros.

Adivinha-se uma nova onda de contestação dos cruzeiros e do seu impacto nos ecossistemas marinhos e nas localizações onde atracam. O Explora I já tem os seus itinerários definidos, que cruzam os destinos mais populares com outros menos conhecidos, com foco num ritmo de navegação lento, com mais tempo e experiências em terra a cada desembarque. Arranca com sete percursos, começando no Norte da Europa seguido pelo Reino Unido, em agosto, partindo depois para a Islândia&Gronelândia. Costa Leste do Estados Unidos e Canadá, Caraíbas, América do Sul e Havai são os três percursos que se sucedem. Alegrem-se os residentes em Portugal. Em junho de 2024 está previsto um itinerário de quatro noites, com saída de Lisboa, passagem por Cádis e Málaga, e chegada a Barcelona, de onde é necessário apanhar um voo de regresso.

Uma das quatro piscinas, todas aquecidas, tem uma cobertura em vidro
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A Explora Journeys assume-se como uma marca de estilo de vida de luxo, que se distancia do conceito de viagens turísticas em navios tal como as conhecemos. Mas a verdade é que este posicionamento é mais um regresso às origens. É que a primeira experiência de cruzeiro acontece em 1833 em Itália, levando a bordo apenas convidados, entre nobres e membros de famílias reais europeias. O navio Francesco I sai de Nápoles e navega durante cerca de três meses entre várias localizações na Sicília, Malta, Grécia e na atual Turquia. O primeiro cruzeiro da história não é comercializado e inclui excursões privadas, visitas guiadas e várias atividades a bordo, para entreter a exigente aristocracia. O Francesco I, curiosamente, é construído em 1831 em Castellamare di Stasia, perto de Nápoles, nos estaleiros que atualmente pertencem à Fincantieri, onde o Explora I é construído. A história repete-se, reinventada.

Explora Journeys

Cruzeiros com itinerários entre cinco e 25 noites

€4.500/€5.000 (preço médio por pessoa em suite partilhada, sete noites com tudo incluído, exceto os restaurantes Uliassi e Chef’s Table e os tratamentos de spa; sem voos)

https://explorajourneys.com

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