Em ano de muita chuva, impera o verde nos campos. Veem-se algumas árvores carbonizadas, pinceladas negras na paisagem primaveril, mas ninguém diria que nos terríveis incêndios de 2017 arderam quase 3/4 do território de Mação, o concelho com mais área consumida pelas chamas, proporcionalmente à sua dimensão. Ainda hoje, nas conversas com as gentes locais, o tema vem recorrentemente à baila e depressa percebemos as marcas que ficaram em quem vive paredes-meias com uma floresta, que de repente pode começar a arder. Mas, num segundo momento, quando entendem que estamos ali para explorar a região, os semblantes mudam e vem ao de cima o orgulho e o apego que estas pessoas têm da sua terra. “Já subiu àquele miradouro? Já atravessou aquela ponte? Já mergulhou naquele pego? Se quiser, eu vou lá consigo...”
Rui Silva, o moleiro da azenha do Poço das Talhas, encarna este espírito na perfeição. Depois da reforma, que lhe deu mais tempo livre, reavivou as memórias de ver o seu avô — moleiro a tempo inteiro — a transformar os cereais em farinha e avançou para a recuperação de uma das azenhas. Falou com os mais velhos da aldeia, tentando esclarecer alguns pormenores do complexo mecanismo destes engenhos, de que não se lembrava e, passo a passo, conseguiu voltar a pôr as mós em funcionamento. As imediações da azenha foram resgatadas ao matagal, os antigos caminhos limpos, mas Rui reparte os louros: “Há muita malta aqui de Queixoperra, que me ajuda a ter tudo num brinquinho. São como eu. Têm prazer em ver isto como era dantes. E depois, com cada vez mais pessoas de fora a vir aqui, temos de os receber bem, não é?”