Justiça

Comunidade Israelita do Porto quer que o Presidente peça desculpa por "males e danos causados"

No dia 11 de março do ano passado, o líder religioso da Comunidade Israelita do Porto e um dos membros da direção foram constituídos arguídos por suspeitas de irregularidades na certificação de ascendência sefardita com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa. Agora, a Comunidade exige pedido de desculpas a Marcelo Rebelo de Sousa. Segundo a Procuradoria-Geral da República, a investigação prossegue

Sinagoga Kadoorie, da Comunidade Israelita do Porto
FERNANDO VELUDO/nfactos

A Comunidade Israelita do Porto enviou nesta quarta-feira uma carta ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a solicitar um pedido de desculpas do Estado português por “todos os males e danos que lhe foram causados” como resultado das buscas realizadas no dia 11 de março do ano passado, data em que o rabino-chefe da Comunidade, Daniel Litvak, foi detido e acusado de alegadas irregularidades na certificação de ascendência sefardita com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa. O o vogal da direção, Francisco de Almeida Garrett, foi também constituído arguido.

A organização defende que as “imputações” eram “tecnicamente impossíveis e as autoridades sabiam que não tinham quaisquer provas indiciárias das mesmas”, citando dois exemplos: “o rabino-chefe forjara a origem sefardita de um israelita francês que, afinal, havia sido certificado, e bem, pela Comunidade de Lisboa” ou “o rabino-chefe corrompera funcionários de conservatórias que, afinal, nunca visitou, nem lá conhece ninguém”.

“A Comunidade Judaica do Porto foi politicamente atacada por ser, de longe, a mais forte de Portugal em termos religiosos e culturais e por estar relacionada com judeus com capacidade económica (e indesejados) de todos os continentes”, lê-se no comunicado enviado às redações.

A Comunidade classifica o dia 11 de março como um “espetáculo soviético que se montou e levou a cabo baseado em nada” e considera que a Comunidade de Lisboa foi “usada como um instrumento para legitimar o que estava a acontecer e ostensivamente poupada do ataque vil, como outrora a União Soviética poupou as sinagogas centrais de Moscovo, Odessa e Leningrado, para evitar a acusação de antissemitismo”.

“Assistiu-se ao espezinhamento do princípio internacional do processo justo e equitativo. Nem sequer se tentou manter as aparências. Tudo foi metido à força na sacola da Comunidade do Porto, a comunidade que tinha sinagogas, restaurantes, museus, filmes e uma obra imensa”, acusa ainda.

No âmbito da operação “Porta Aberta”, investigação sobre a obtenção de nacionalidade portuguesa por judeus sefarditas em Portugal, o líder religioso da comunidade, Daniel Litvak, foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) naquele 11 de março, ficando em liberdade e sendo-lhe aplicadas as medidas de coação de termo de identidade e residência, proibição de se ausentar de Portugal e apresentações às autoridades. Em causa estão os alegados crimes de tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, fraude fiscal e associação criminosa.

Recorde-se que, em setembro, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou, a pedido dos advogados do rabino, as medidas de coação que lhe foram impostas, argumentando que a acusação do Ministério Público assenta “em nada” e numa “generalização sem fundamento factual”.

Um dos casos investigados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ é o da concessão da nacionalidade portuguesa ao empresário russo Roman Abramovich, ao abrigo do artigo da Lei da Nacionalidade referente aos judeus sefarditas. Entre março de 2015 e abril de 2020, a Comunidade emitiu pelo menos 70 mil certificados.

Na terça-feira, a Procuradoria-Geral da República indicou à Lusa que as investigações sobre a atribuição de nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas “prosseguem”, estando os inquéritos concentrados no DCIAP. “As investigações prosseguem, designadamente com a análise do extenso acervo documental apreendido e restantes elementos recolhidos. Encontram-se sujeitas a segredo de justiça”, garantiu.

Justiça